Crítica: “Além das Palavras” faz belo retrato de Emily Dickinson

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    Emily Dickinson foi uma mulher amarga e solitária. Mas também uma artista moderna em suas ideias, comportamento e talento com as palavras ao escrever poesias diretas, cheias de imagens e som. O que fez dela um dos nomes mais importantes da literatura inglesa. É esse lado pouco conhecido da poetiza que vem à tona no elegante drama, “Além das Palavras”, direção do inglês Terence Davies.

    Para dar vida à personagem tão complexa e densa, quanto interessante, a talentosa Cynthia Nixon (a Miranda de “Sex And The City”), em atuação visceral. Já incomodada com o “evangelismo agudo” a qual foi submetida num seminário, na Massachusetts de meados do século 19, Emily Dickinson assustou os puritanos religiosos de plantão ao se negar declarar publicamente sua fé. Defendia a “liberdade da alma”.

    “A senhora está sozinha em sua rebelião, sra. Emily”, repreende uma professora.

    Numa época em que só os homens tinham voz e espaço nas letras, conseguiu, por meio da influência do pai – um advogado austero e conservador -, publicar seus poemas nos jornais. Anônimos, era bem da verdade, mas mesmo assim uma silenciosa transgressão em favor dos direitos das mulheres. Os diálogos espirituosos e irônicos construídos pelo diretor mostram a conturbada relação da artista com a hipócrita e machista sociedade em que Emily viveu.

    “Essa é minha carta para o mundo que nunca escreveu para mim”, ironiza em um de seus versos.

    Narrativa quebra-cabeça
    Pouco se sabe da misteriosa e reclusa trajetória pessoal da poetisa que só teve reconhecimento profissional conquistado após sua morte, em 1886. Por isso que o filme é, confessadamente, um relato ficcional do que foi a vida da artista, desenvolvido a partir de biografias lidas pelo cineasta e da interpretação que ele fez de boa parte dos quase 1800 poemas que Emily Dickinson escreveu no silêncio da madrugada e de sua alma.

    E é aí onde mora o charme de “Além das Palavras” que, com sua narrativa quebra-cabeça, permite não apenas ao diretor, mas também a cada espectador, construir sua própria Emily Dickinson. E faz isso da maneira mais subjetiva e sensorial possível. Costurando, apoiado em entrega passional de Cynthia Nixon, fragmentos do cotidiano, da bucólica vida no campo da época, dos dramas familiares e romances velados que a poetiza dramatizou em versos.

    Ofuscante em sua reconstituição de época deslumbrante, onde figurinos e cenários (a casa dos Dickinson e o jardim apenas) interagem de forma precisa na trama, o filme conta com visual vitoriano marcante. Preste atenção como o teatro de sombras e luzes campestres contribui para moldar a personalidade dessa personagem tão distante em sua existência física, mas onipresente em palavras.

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    Avaliação: Bom

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