PVC tenta desvendar a Escola do Futebol Brasileiro em novo livro

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    Pendurado no orelhão público com palito no canto da boca e chapeuzinho descolado de malandro, Zé da Galera apelava, desesperadamente, a um Telê Santana imaginário do outro lado da linha. “Bota, ponta na seleção, Telê, para com isso. Você não vê a galinha?! Se ela não tem ponta no bico, como vai fazer para comer o milho?!”, provocava o torcedor fanático daquela inesquecível seleção de 1982. Inesquecível, mas não invencível.

    “A seleção de Telê era ótima, mas não foi unânime”, observa o jornalista esportivo Paulo Vinícius Coelho, o PVC, no livro Escola Brasileira de Futebol – que, aproveitando o clima da Copa do Mundo, acaba de sair pela Objetiva. “O Brasil era um timaço, mas tinha problemas táticos. A Itália venceu porque foi melhor”, encerra o autor em tom professoral, na linha das análises táticas feitas para a TV e imprensa escrita na coluna Prancheta do PVC.

    Jô Soares interpretando Zé da Galera, no “Viva o Gordo”, no início dos anos 1980:

    Iniciado em 2015, o projeto, o nono de uma carreira de mais de 20 anos no jornalismo, tem a pretensão de contar a evolução do futebol pentacampeão sob o ponto de vista não dos jogadores e técnicos. Para tanto, o jornalista conversou com dezenas de personagens já aposentados, reviu inúmeras partidas, estudou vários textos sobre o tema e vasculhou momentos marcantes na impressionante memória.

    “Definir a escola brasileira sempre foi complicado porque a sua própria composição envolve a mistura de vários estilos. O futebol é um retrato do Brasil, uma mescla de raças e culturas (…)”, analisa o autor. “Este livro não é uma tentativa de preencher essa lacuna – (…) Propõe-se a contar como o futebol brasileiro aprendeu a ser forte, definiu seu estilo e encantou o mundo”, avisa.

    Elucubrações táticas chatas
    Mas afinal, qual é a escola brasileira nesse esporte? O próprio PVC tem a resposta. Quer dizer, mais ou menos. “Há diversos tipos de futebol brasileiro, mas uma só escola, admirada e temida no mundo todo”, diz PVC, que desde 2015 trabalha como comentarista da Fox Sports.

    Mas as opiniões divergem. Para o técnico tetracampeão, Carlos Alberto Parreira, em entrevista ao autor, a resposta é bem estratégica: a linha de quatro homens na defesa, marcação por zona e toque de bola. Já Vanderlei Luxemburgo, que comandou a seleção canarinho entre 1998 e 2000, a “escola brasileira é empirismo, o talento puro”.

    À revelia das elucubrações táticas, sãos as narrativas históricas a cereja do bolo de Escola Brasileira de Futebol. Sobretudo as que contam um pouco a trajetória de personagens “obscuros” do futebol brasileiros para os fãs de ídolos do momento como Gabriel Jesus, Marcelo e Neymar.

    Um deles, por exemplo, é o húngaro Dori Kürschner, contratado nos anos 1930 para comandar o Flamengo. Outrora ídolo do MTK, da Hungria, o estrangeiro foi chamado pelo presidente rubro-negro da época, José Bastos Padilha, com a missão de modernizar o futebol brasileiro, implantando o sistema “wm”, de jogar. Na prática consistia, como as letras indicam: um atacante, dois pontas, dois meias e cinco homens recuados.

    “Flávio Costa não possuía esse conhecimento teórico. Como a maior parte dos treinadores brasileiros, trabalhava intuitivamente. Transmitia aos jogadores o que aprendia em campo, e esse método avançava de geração para geração”, comenta PVC. “Dori Kürschner era diferente. Faltavam-lhe outros atributos, como comunicação e relação humana, porém tinha conhecimento tático”, observa.

    Além do resgate desses personagens clássicos da história do futebol brasileiro, PVC fisga o leitor apaixonado por futebol com curiosidades sensacionais. Uma delas. Dois dos maiores craques brasileiros de todos os tempos, símbolo da miscigenação brasileira que deu certo nos gramados, Pelé e Garrinha jogaram quarenta vezes na seleção num período de oito anos e nunca perderam uma partida.

    Outra pérola resgatada por PVC no livro: em 1986, durante o lançamento do livro Anatomia de Uma Derrota, de Paulo Perdigão, uma análise social e humana sobre o fracasso do escrete brasileiro na final de 1950, no Maracanã, uma jornalista desinformada se aproxima do técnico da seleção na época, Flávio Costa, e pergunta: O senhor é o autor?”. Sem vacilar, ele responde: “Não, eu sou a derrota”.

    Uma pena que, diante de belo trabalho de pesquisa como esse, o livro com seus 28 capítulos distribuídos em quase 300 páginas, não traga fotos de época ou de figuras marcantes que fazem parte do referencial futebol brasileiro. Ao invés disso, é salpicado de irritantes pranchetas táticas cheias de setas e certa presunção futebolística.

    Escola Brasileira de Futebol
    De Paulo Vinícius Coelho (PVC). Editora Objetiva: 294 páginas, R$ 44,90

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