A Lei 581 de 1850, conhecida como Lei Eusébio de Queirós, completa 172 anos neste domingo (4/8). Importante para o movimento abolicionista durante a escravidão no Brasil, proibiu o tráfico de africanos explorados no país — atividade que, desde o século XVI, foi responsável pela transportação de 4,8 milhões de negros e morte de outros 670 mil.
A norma recebeu o nome do autor, o então ministro da Justiça, Eusébio de Queirós Coutinho, e engatilhou transformações que dariam, posteriormente, origem a outras leis contra a escravidão até, finalmente, a abolição da escravatura em 13 de maio de 1888.
A proibição do tráfico negreiro foi motivada, principalmente, pela pressão das autoridades inglesas, que desde 1831 tentavam impor o fim da importação de escravos para o território brasileiro. A efetiva abolição da prática, no entanto, só aconteceu 19 anos depois.
Linha do tempo
Para entender melhor, precisamos voltar 40 anos, em 1810. No ano, ainda Brasil Colônia, a Inglaterra pressionou a assinatura da primeira convenção que pretendia proibir o tráfico de escravizados. Depois, outras convenções foram assinadas, em 1815, 1816 e 1817. Todas desrespeitadas.
“Foi apenas em 1826 que o Brasil se propôs a abolir o tráfico. Em 1830, então, ele deveria ser tratado como ilícito, mas a convenção também não foi respeitada e, em 1831, o país decide outorgar a primeira lei de abolição do tráfico”, explica o doutor em história Aderivaldo Santana.

No Brasil, os termos racismo e injúria racial são utilizados para explicar crimes relacionados a intolerância contra raças. Apenas o primeiro é considerado imprescritível
Ilya Sereda / EyeEm

Crime imprescritível é aquele que não prescreve, ou seja, que será julgado independentemente do tempo em que ocorreu. No caso do racismo, a Constituição Federal de 1988 determina que além de ser imprescritível, também é inafiançável
Xavier Lorenzo

O racismo está previsto na Lei 7.716/1989 e ocorre quando pessoas de um determinado grupo são discriminadas de uma forma geral. A pena prevista é de até 5 anos de reclusão
Vladimir Vladimirov

Segundo o advogado Newton Valeriano, “quando uma pessoa dona de um estabelecimento coloca uma placa informando “aqui não entra negro, ou não entra judeu”, essa pessoa está cometendo discriminação contra todo um grupo e, dessa forma, responderá pela lei do racismo”
Dimitri Otis

Ainda segundo o especialista, “no caso da injúria racial, prevista no código penal, a pena é reclusão de 1 até 3 anos, mais multa. Nesses casos, se enquadram ofensas direcionada a uma pessoa devido a cor e raça. Chamar uma pessoa de macaco, por exemplo, se enquadra neste crime”
Aja Koska

Em situações como intolerância racial e religiosa, a vítima deve procurar as autoridades e narrar a situação. “Se o caso tiver sido filmado, é importante levar as imagens. Se não, a presença de uma testemunha é importante”, afirmou Valeriano
FilippoBacci

No caso do racismo, qualquer pessoa pode denunciar, independentemente de ter ou não sofrido a situação. Para isso, basta procurar uma delegacia e relatar o caso. Se for de injúria racial, no entanto, é necessário que a vítima procure pessoalmente as autoridades
LordHenriVoton

Além disso, a vítima também pode pedir uma reparação de danos morais na justiça
LumiNola

Recentemente, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o crime de injúria racial é uma espécie de racismo e, portanto, é imprescritível. Os ministros chegaram ao posicionamento após analisarem o caso de uma idosa que chamou uma frentista de “negrinha nojenta, ignorante e atrevida”
Marcelo Camargo/Agência Brasil

Plenário do Senado Federal
Waldemir Barreto/Agência Senado
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Em 1831 o Brasil promulga, após acordos com a Inglaterra, a Lei de 7 de novembro, que declarava livre todos os escravizados vindos ilegalmente de fora do país e estabelecia pena para quem descumprisse. Entretanto, nunca foi cumprida e ficou conhecida na época como “lei para inglês ver”.
“O Brasil mantinha o interesse pela aparência e sempre protelou, pelo máximo de tempo possível, as decisões relacionadas aos escravizados”, analisa o especialista.
A cobrança da Inglaterra continua, e em 1845, ela aprova a Lei Bill Aberdeen, autorizando a marinha inglesa a apreender, em alto-mar, navios negreiros e prender os comandantes e a tripulação das embarcações. “Assim, os ingleses chegaram a invadir portos brasileiros para apreender navios nessas condições”, contextualiza o historiador Roges Seixas.
Com a apreensão e verificação dos navios de tráfico, a Bill Aberdeen passa a apertar efetivamente as autoridades brasileiras. Cinco anos depois, a Lei Eusébio de Queirós é publicada e, mais importante, respeitada. “Foi posta em prática e tornou-se efetiva, reduzindo drasticamente o tráfico internacional de africanos escravizados e extinguindo a prática nos anos seguintes”, diz Seixas.
Após 1850
Santana explica que o tráfico de pessoas escravizadas não foi extinto no ano de promulgação da lei. Há uma redução gradual até 1856, ano do último registro desembarque de africanos no Brasil:
“Em 1851, só desembarcaram clandestinamente no Brasil 5.595 africanos. Em 1852 cai ainda mais, 984. De 53 até 56 não se tem registro. Um último desembarque de 320 africanos acontece em 1856.”
O historiador Arilson Gomes cita redução de 99% em 10 anos, conforme documentos da época: “Entre 1841 e 1850, mais de 600 mil africanos escravizados aportaram no Brasil. Entre 1851 e 1855, foram 6 mil negros. Foram 10 anos de diferença.”
Vale ressaltar que, após o fim do tráfico internacional de africanos, a escravidão usa como apoio o tráfico interno. “Com a Lei de 4 de setembro, o tráfico interno se acentua dentro do território de maneiro gigantesca”, destaca Gomes.
É apenas em 1888, após o crescimento do movimento abolicionista e pressões políticas, que a Lei Áurea determina a proibição da escravidão no Brasil.
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