A “brecha” que o PT tem em mãos para tentar tirar Campos Neto do BC

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Os acontecimentos da última semana deixaram evidente que Roberto Campos Neto não terá uma vida tranquila no restante do seu mandato como presidente do Banco Central.

Falas recentes do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e, principalmente, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva mostram que a “fritura” de Campos Neto, indicado ao BC pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, já está alta.

Campos Neto foi o primeiro empossado sob a lei que deu autonomia ao Banco Central. Ele tem mandato garantido até o final de 2024, quando Lula terá de indicar um novo chefe do BC – que, por sua vez, ficará à frente da autoridade monetária até o segundo ano de governo do próximo presidente. Isso é o que se chama de mandato alternado do presidente e diretores do BC e do Presidente da República.

Os mandatos “descasados” do chefe da autoridade monetária brasileira e do chefe do executivo tem um propósito: evitar que o governo de ocasião manipule a política monetária com objetivos populistas ou eleitoreiros.

O presidente do Banco Central só poderá ser substituído em três ocasiões: se ele cometer algum ato ilícito, como o de improbidade administrativa, se for considerado inapto para cumprir com os objetivos do BC ou se renunciar.

Fritura

A questão é que a Lei Complementar 179/2021, que regrou a autonomia do BC, não é clara sobre o que seria considerada inaptidão para cumprir o cargo. O trecho da lei que trata do tema diz o seguinte:

“O Presidente e os Diretores do Banco Central do Brasil serão exonerados pelo Presidente da República: […] quando apresentarem comprovado e recorrente desempenho insuficiente para o alcance dos objetivos do Banco Central do Brasil”.

Em entrevista concedida ao canal Globonews na semana passada, Lula criticou a atuação de Campos Neto, citando o nível atual da inflação e dos juros.

“Por que o Banco Central é independente e a inflação está do jeito que está? E o juro está do jeito que está?”, questionou o Presidente da República.

Em 2022, a inflação foi de 5,7%, superando o teto da meta inflacionário estipulado em 5,5%. Em 2021, quando os índices de preços superaram a casa dos 10%, a meta também não foi cumprida. Nas duas ocasiões, Campos Neto enviou uma carta para o ministro da Fazenda, justificando o descumprimento do plano.

Antes de Lula criticar abertamente o presidente do BC, Haddad já havia feito isso de forma indireta, citando uma “troca de cartas”

“Antigamente não existia independência do Banco Central, agora existe, precisamos entender isso. Do mesmo jeito que estamos fazendo uma leitura da carta do Banco Central, o Banco Central vai fazer uma leitura da nossa carta. Isso é uma carta para o Banco Central (o pacote de redução de despesas anunciado pelo governo). Vamos trocando cartas até o dia em que a gente celebra um entendimento maior”, disse Haddad.

O novo ministro da Fazenda fez uma referência indireta à carta enviada por Roberto Campos Neto ao governo para explicar o descumprimento da meta de inflação pelo segundo ano consecutivo.

É possível que, no começo do ano que vem, Campos Neto tenha que enviar mais uma carta ao ministro da Fazenda para justificar uma inflação acima da meta em 2023.

Segundo as expectativas medidas pelo Focus, pesquisa do Banco Central (BC) que reúne as projeções dos principais economistas do mercado, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deve encerrar o ano perto de 5,4% – acima do teto de 5% estabelecido pela meta.

A última vez em que o alvo inflacionário foi descumprido por 3 anos consecutivos foi no período de 2001 a 2003, na reta final do mandato de Fernando Henrique Cardoso e no primeiro ano do governo Lula. Coube a Armínio Fraga e Henrique Meirelles, presidentes do BC à época, explicar o descumprimento da meta.

“Brecha” legal

Metrópoles ouviu advogados e especialistas para saber se o descumprimento da meta poderia ser um critério para considerar que Campos Neto estaria tendo um “recorrente desempenho insuficiente para o alcance dos objetivos do Banco Central do Brasil”, como diz a Lei.

As opiniões revelam que, como toda brecha legal, a interpretação pode variar de acordo com a opinião do defensor.

“No meu entendimento, o trecho da lei até pode ser usado como brecha, diante do descumprimento da meta de inflação”, diz Victor Jorge, professor da FGV e sócio do escritório Jorge Advogados.

Ele pondera que, para exonerar o presidente do BC com esse argumento, o governo precisaria cumprir um rito. Primeiro, o chefe do Conselho Monetário Nacional (CMN), que é o ministro da Fazenda Fernando Haddad, precisaria entregar uma carta ao Presidente da República defendendo as razões da exoneração.

Se o presidente aceitar o pedido, a exoneração deverá passar pelo crivo do Senado e só será aprovada com a maioria absoluta dos votos dos senadores.

Partindo do princípio que o Senado eleito no ano passado tem representantes da oposição como maioria, Campos Neto poderia ter uma espécie de “salvo-conduto” para não ser exonerado. “Essa é a magica do sistema de freios e contrapesos”, defende o especialista do Jorge Advogados.

A questão é que o aumento da taxa Selic pelo Banco Central ao longo dos últimos 2 anos foi alvo de críticas também pelo ex-presidente Bolsonaro. Entre março de 2021 e dezembro passado, os juros foram de 2% para 13,75% ao ano; Por isso, não é possível medir com precisão o tamanho da proteção que o Senado poderia prover a Campos Neto.

De qualquer maneira, defender uma exoneração com base no descumprimento da meta de inflação exigiria um malabarismo jurídico, além de um custo político elevado para o governo Lula.

“O descumprimento da meta não está ao alcance do presidente do Banco Central. A inflação é fato econômico. Na minha opinião, não faz sentido defender algo desse tipo”, finaliza Maysa Verzola, sócia do escritório Gasparini, Nogueira de Lima e Barbosa Advogados.

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