Guarde o nome Ane Êoketu. Para quem acompanha a cena cultural de Brasília, sobretudo a movimentada por artistas mulheres e LGBTQIA+, a alcunha já é conhecida pela potência, presença de palco e contribuição com a cultura local. Agora, com o álbum de estreia da sergipana, criada em São Sebastião, no DF, a expectativa é que mais pessoas se rendam à sua sonoridade e axé. O trabalho será apresentado ao público brasiliense em um show neste domingo (2/4), no Sesc Garagem (913 sul). Os ingressos estão à venda no Sympla.
Batizados de Eu Já Passei Pelo Fogo, o primeiro disco e show autoral de Ane marcam um momento de amadurecimento e consciência artística dela, que teve seus primeiros encontros com a arte ainda criança, em rodas de capoeira.
“Essa prática me apresentou aos tambores, à percussão e ao canto. Foi minha primeira escola. Assim, entre as cantigas de roda, atabaques e berimbaus, comecei a adquirir consciência sobre minha identidade e sobre meus talentos. A partir disso, nunca mais tirei o tambor das mãos”, conta.
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Anos depois, Ane participou de projetos de percussão na cidade, como o grupo Batalá, e recebeu convite para integrar uma banda de samba. Foi quando a paixão também virou profissão. Na sequência, ela contribuiu com os projetos Samba na Rua, o Bloco Essa Boquinha Eu Já Beijei, entre outros. Na época, contudo, era conhecida pelo nome de batismo: Anne Caroline Vasconcelos.
Ela explica que abraçou a nova identidade artística por orientação de produtores, para ampliar o alcance do seu trabalho. A escolha passou por referências encontradas nas próprias raízes e na percepção do público sobre sua performance nos palcos.
“Em 2022, tive a oportunidade de apresentar meu pocket show no COMA e no Favela Talks. Após as apresentações, recebi comentários de algumas pessoas dizendo que a sonoridade que nós trazíamos era cheia, parecia que tinha muita gente tocando junto, que era um som de massa, um som de povo. Então comecei a pensar nisso”, explica.
“Ketu, para quem é de religião de matriz africana, como eu, é uma nação de candomblé e é a nação da qual o meu orixá (Oxóssi) é rei. Mas, sobretudo, Ketu é um povo vivo na África até hoje, um povo grandioso e riquíssimo em cultura e sabedoria. Sendo assim, é com a maior reverência do mundo que eu chamo a força desse povo cada vez que subo no palco. Ane e o Ketu. Ane ÊoKetu”, acrescenta.
Eu Já Passei pelo Fogo
O primeiro álbum autoral nasceu na pandemia de Covid-19, período em que Ane pôde desacelerar e dar vazão ao seu processo criativo. O período também coincidiu com um movimento significativo para quem acredita na força dos astros.
“Eu comecei a sentir a ‘fogueira’ desse trabalho se acender no dia que completei meus 30 anos. Era Quarta-Feira de Cinzas, dia 26 de fevereiro de 2020. O último Carnaval antes da pandemia e eu recém-graduada no fatídico e caótico retorno de Saturno”, conta.
Com o privilégio de poder me proteger em casa, mergulhei totalmente nesse processo criativo. Dentro da minha casa, dentro da minha casca, esse trabalho emergia comunicando a necessidade de lidar com um mundo estranho, pandêmico, e que deixou evidente vários abismos dentro e fora de cada um de nós. Junto com isso vinha o desejo de transformar, de mudar e isso me atravessou em vários aspectos da vida, mas principalmente no ser e fazer artístico.
Ane Êoketu
A artista define o trabalho como uma tentativa de “transcender acolhendo os altos e baixos”. “Por isso ele é tão dinâmico. Fala sobre as forjas da vida, trazendo as questões político-sociais que remexeram o Brasil nesses últimos anos, mas também fala sobre o fogo das paixões, das relações, das solidões, daquilo que atravessa, do que ‘queima e abrasa o peito’. É sobre abandonar as cascas que não nos cabem mais e se dar a oportunidade de se refazer com um olhar mais paciente sobre si mesmo”.
Entre as faixas preferidas do projeto estão Vem Fogo e Pólen. “Já tive várias favoritas e com o tempo vou mudando”, esclarece.
“Vem Fogo foi a última que compus para esse trabalho. A ideia dessa letra era escrever sobre uma ‘vingança da cultura popular brasileira’ contra toda tentativa de desmonte e apagamento que sofreu nos últimos anos, e uma a vontade de resgatar a brasilidade. É a revolta das lendas vivas no ritmo quente de um galope (risos)”, diz.
“Já Pólen, para mim tem uma atmosfera e arranjo incríveis, além de que, na minha interpretação, ela sintetiza o conceito do álbum”.
Show ousado e independente
No show marcado para o próximo domingo (29/3), Ane promete “uma produção bem ousada e totalmente independente”, tal como o álbum que o batiza.
“Eu consegui reunir uma equipe maravilhosa que chegou junto nessa construção”, comemora, antes de citar nomes como Luazi Luango (direção artística), Thiago de Lima Cruz, Zizi Antunes (desenho de luz) e Mari Mira (vídeo mapping).
“Queremos entregar um espetáculo sinestésico, bem bonito. A banda é completona e composta por músicos e amigos incríveis. Com isso, minha expectativa é me divertir, é relaxar e comemorar esse momento com todos ali. É ofertar um trabalho sincero e profundo, do fundo do meu coração”.
Serviço
Show de estreia do álbum Eu Já Passei pelo Fogo
2 de abril, às 19h, no SESC Garagem. Endereço: Via W4 Sul Quadra 713/913, Brasília – DF. Ingressos no Sympla (clique para ser redirecionado). Classificação indicativa: livre
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