
Poderia ser confundido facilmente com Shakespeare, se não fosse um texto de Ibsen, o dramaturgo norueguês autor de obras clássicas para o teatro como “Casa de Bonecas” (1879) e “Um Inimigo do Povo” (1882). Adaptação para o cinema da peça “O Pato Selvagem” (1884), do mesmo autor, o drama australiano “A Filha” marca a estreia no cinema de Simon Stone, jovem diretor e ator circunstancial, de apenas 32 anos.
No filme, a trama do século 19 ganha versão ambientada nos dias atuais e com os nomes dos personagens do texto original trocados. Tudo gira em torno de uma família aparentemente feliz, cuja rotina de paz e tranquilidade é quebrada quando o bafo quente e insano do passado ressuscita fantasmas imorais cercados de culpa. O responsável por abrir a porta desse inferno é Christian (Paul Schneider).
Ele é o herdeiro de Henry (Geoffrey Rush), o homem mais rico e poderoso da cidade, que é obrigado a fechar sua enorme madeireira por conta da crise econômica. “Há sempre uma hora para começar”, desdenha o empresário, quando um dos funcionários da empresa questiona a onda de demissões. Entre os demitidos, está Oliver (Ewen Leslie), o chefe dessa família supostamente feliz que reencontra o melhor amigo Christian.
Mentiras necessárias
À medida que as relações do passado entre esses dois amigos vão se estreitando, por conta do calor do reencontro, o clima do filme vai ficando cinza ao sabor de revelações perigosas. Suicídio, adultério, abandono, mentiras necessárias, roubo, prisão, ressentimentos e uma leve sensação de que a moral humana parece tão frágil quanto o pato ferido à bala na cena inicial. E na órbita deste turbilhão de conflitos, uma filha à deriva (Odessa Young).
“Todos têm uma história como essa”, comenta entre o cínico e o tedioso, um dos personagens envolvidos na teia familiar decadente. “Por que você não dá o fora da cidade e nos deixa juntando nossos cacos?”, emenda, desesperado.
O texto de Ibsen adaptado com charme pessimista pelo talentoso Simon Stone é um dos pontos altos de “A Filha”. Mas a intensidade das palavras e situações construídas à sombra de enredo perturbador em seus dramas intimistas só ganham peso por conta da potência das atuações. E o bom entrosamento e desempenho dos atores se deve ao fato de parte do elenco ter atuado na elogiada montagem teatral do cineasta neófito para o teatro.
Assim, pouco a pouco, sob intensas camadas de emoção, uma teia de sentimentos turvos vai envolvendo o público e o encaminhando para um desfecho enigmático, exemplar. Isso porque como mostra esses personagens desajustados e abandonados em seus conflitos da alma, nada é o que parece ser. O dramaturgo Nelson Rodrigues é que tinha razão quando sentenciou com aquele jeito exagerado que marcou sua obra: “Se todo mundo soubesse da vida pessoal de todo mundo ninguém falava com ninguém”.
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Avaliação: Bom