Quem tem avó sabe do que estou escrevendo. As bênçãos da minha nona italiana até os meus nove anos de idade ficaram marcadas para sempre no meu coração.
Na minha casa, além da vovó Vitória, moravam meus pais, irmãos, tias e primos. Éramos uma família com nove pessoas em três cômodos, uma sala, cozinha e quintal.
Muitas folhagens nos corredores e nos espaços ao redor dos muros. Pássaros cantavam o dia todo em meio às bonitas flores que brotavam na primavera.
A talha de barro com água fresquinha refrescava a nossa sede. A talha ficava sempre ali num cantinho da varanda que recebia a brisa do vento.
O som das pessoas andando na rua Santa Maria parecia que estava dentro de casa. Ouvíamos os apitos da fábrica Santa Maria chamando os empregados.
Aos domingos de madrugada, o bater das caixas de frutas e das armações das bancas da feira que continua há mais de 70 anos naquele local.
Havia poucos carros na década de 50 e o cavalgar dos cavalos que puxavam as carroças dos feirantes, leiteiro e padeiro, entonavam o seu “toc-toc” das ferraduras nos paralelepípedos rebombando na hora de acordarmos.
Meus pais dormiam no cômodo da frente, onde havia mais uma cama para um dos filhos. No segundo quarto, minha avó e uma de suas filhas, irmã de meu pai, com os seus dois filhos pequenos também se abrigavam nas noites frias e quentes. Na época, sem ventilador ou aquecedor.
A janela para o corredor da casa com suas venezianas antigas de madeira abriam e fechavam num levantar com as mãos para baixo e para cima.
Quando chovia, a água descia por um cano e o barulho era um bom calmante para dormir. Refrescava tanto que as janelas ficavam abertas.
Eu e meu irmão mais velho, dormíamos no primeiro quarto ao lado da sala. Um pequeno guarda roupa, duas camas e um móvel pequeno no canto onde havia uma imagem do Sagrado Coração de Jesus que minha avó deixava para nos proteger.
A avó Vitória, que chamávamos de nona, com os seus mais de 80 anos de idade, era uma beleza ímpar aos nossos olhos.
Cabelos brancos como a neve e penteados com o seu pente de osso que ganhou no dia das mães, fazia dela uma boneca viva em semblante e pureza.
O símbolo perfeito de uma avó italiana que irradiava ternura. Quando eu acordava a primeira palavra que saia dos meus lábios era “benção vó”.
E o Deus o abençoe, vinha como um mel puro da rainha na resposta. O pão caseiro, amassado com as mãos delicadas de minha mãe e enfornados pela avó na assadeira de alumínio adaptada pelo meu pai, fazia parte do café da manhã encantado. Tudo muito simples, com a oração de gratidão pelo dom da vida que começava mais uma vez.
No quintal havia um pequeno quartinho, onde meu pai, com sua iniciativa de fundir alumínio montava a caixa de areia de molde. Tudo muito artesanal.
Um pequeno forno aquecia aquelas peças de sucata de alumínio para derreter. Eu achava bonito ficar olhando ele colocar na areia as peças de chupeta, conchinhas e bichinhos, para enfeitar a tampa de panela que iria ser fundida. Parecia uma “mágica” ao meu olhar ver o que acontecia horas depois.
Aquelas tampas se tornariam realidades pelas mãos de meu pai. Guardo comigo e ilustro este artigo com a foto que fiz esta semana de uma dessas tampas. Tem mais de seis décadas.
Lá na cozinha acontecia antes do almoço outra “mágica culinária” pelas mãos da minha avó. Ela veio mocinha da Itália com 19 anos de idade e casada com o meu avô Giuseppe.
Com os seus 21 anos, trouxe da Itália uma filha de um ano. Nunca perdeu o seu jeito italiano. Era o dia de polenta. Quanto preparo daquela massa amarela de milho e do tempero. Suas mãos naquela colher de pau mexendo na panela para preparar essa delícia napolitana às nove pessoas precisavam de suas bênçãos.
Ainda me lembro da cena da vovó Vitória na frente do fogão à lenha com o fogo aquecendo a panela que meu pai fundiu. Ela mexia sem parar a massa da polenta até que desse o ponto necessário. E sempre dava certo com um detalhe. No fundo do panelão ficava uma casca crocante. Como era gostoso saborear essa casquinha. Ela sabia do meu gosto por essa massinha e, como um dos netos, tinha direito ao primeiro pedaço.
Na mesa do almoço, além da polenta, ovos fritos e um molho de tomate feito muitas vezes do fruto colhido em um pé no fundo do quintal. Não tinha nada para beber nas refeições. E para juntar todos na mesa, só aos domingos. A pequena mesa da cozinha não tinha espaço para tanta gente.
Então, nos almoços, o quintal recebia mesas da casa para a família se juntar. Pais, irmãos e parentes, com as bênçãos dos pais e vovó, todos agradeciam a comida. Minha avó tinha treze filhos.
Era viúva na minha infância. Meu pai Ernesto, suas irmãs Amélia, Helena, Clarinha, moravam em Sorocaba. Os outros filhos residiam em outras cidades. Não me lembro de ver todos juntos em alguma ocasião festiva. Mas conheci a maioria deles.
E hoje, 13 de outubro, um dia após a celebração nacional da padroeira do Brasil, Nossa Senhora Aparecida, dedico esta homenagem a minha avó e suas bênçãos, sempre tocadas por sua fé e devoção à sua protetora mãe de Jesus.
Na semana da sua partida deste mundo, eu tinha nove anos de idade. Ganhei dela um crucifixo que uso como preciosa relíquia dos tempos infinitos do seu amor e das suas bênçãos.
Vanderlei Testa é jornalista e publicitário escreve às terças-feiras no Jornal Cruzeiro do Sul e aos sábados no www.blogvanderleitesta.com e www.facebook.com/artigosdovanderleitesta
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