Digerir a derrota nas urnas está sendo desafiador para a militância ligada ao presidente Jair Bolsonaro. Uma semana após o fim da eleição, os bolsonaristas ainda sofrem para encontrar o tom da reação e já veem antigos aliados acenando e piscando para o lado vencedor.
A sensação de assombro é agravada pelo silêncio dos líderes que mobilizaram multidões nos últimos anos. O presidente Bolsonaro, que baseou sua ascensão ao poder federal em ser um fenômeno da comunicação política, deu apenas duas declarações públicas desde 30 de outubro e está recluso. Na mesma situação estão bolsonaristas graúdos, como seus filhos e ministros.
A falta de vozes de liderança deixa perdida até a base mais fiel de Bolsonaro. Seus seguidores mais radicalizados iniciaram uma reação de não aceitação do resultado das urnas ainda no domingo da eleição, fazendo bloqueios de rodovias que se espalharam rapidamente pelo país inteiro nos dias seguintes.
A tática, apesar de ter sido estimulada por algumas lideranças, acabou sendo condenada pelo próprio presidente, que pediu a liberação das vias, apesar de ter dito que as mobilizações em frente a quarteis, que pedem um golpe militar, seriam legítimas.
Mesmo essas mobilizações, porém, vivem uma constante crise de identidade por falta de líderes claros e confusão nas pautas. No início da semana, a ideia era denunciar uma fraude eleitoral que ninguém sabia explicar.
Depois, bolsonaristas nos quartéis (e os que restaram nas rodovias) passaram a pedir uma intervenção militar – depois rebatizada de intervenção federal. A confusão informacional tem levado os participantes nos atos a celebrar notícias evidentemente falsas, como a prisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e até a questionar a liderança de Bolsonaro.
Veja a reação de bolsonaristas na última quarta (02/11) diante da notícia de que o presidente havia pedido a desobstrução das rodovias:
“Não queremos mais Bolsonaro, queremos o Exército”, diz manifestante.
Líder do movimento em Rio do Sul, Santa Catarina, defende que Exército aja para “botar ordem” no país. Bolsonaro fez apelo por desbloqueio.
Leia: https://t.co/dD21tATc6r pic.twitter.com/aLdH5Az84x
— Metrópoles (@Metropoles) November 3, 2022
Os calados
Além de Bolsonaro, a maioria das lideranças de destaque da direita bolsonarista está em reclusão desde a derrota eleitoral. O vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente que criou sua estratégia de comunicação digital, está calado nas redes desde o dia da votação. Seus irmãos, o deputado federal reeleito Eduardo (PL-SP), e o senador Flávio (PL-RJ), fizeram postagens esparsas e sem dizer muito, assim como a primeira-dama, Michelle, que, após participação muito ativa na campanha, se ausentou até do único pronunciamento público do marido até agora, na noite de terça (1º/11).
A deputada federal reeleita Carla Zambelli (PL-SP), outra liderança bolsonarista de grande destaque, também está sumida, mas não apenas por escolha próxima.
Após se envolver num episódio de ameaça armada que a tornou alvo da fúria dos próprios aliados, a parlamentar teve as redes sociais bloqueadas pela Justiça e acabou viajando para os Estados Unidos para, segundo ela própria, tratar de “agendas pessoais”, apesar de não estar de férias da Câmara.
Ministros e ex-ministros que também foram ativos na campanha, como Ciro Nogueira, da Casa Civil; Fábio Faria, das Comunicações; e o senador eleito Sergio Moro (União Brasil-PR), também estão escolhendo o silêncio nos últimos dias.
Com o silêncio dos influenciadores de maior destaque, donos de perfis com algum alcance nas redes conservadoras batem cabeça, alguns reconhecendo o resultado da eleição e convocando a militância a fazer oposição, outros apostando no caos e fazendo postagens com a defesa do rompimento institucional.
Veja alguns momentos nas redes nos últimos dias:
Reprodução/Twitter
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Os pragmáticos
A última postagem de Moro (até o momento em que este texto foi escrito), foi feita na noite da eleição e trazia uma mensagem de respeito aos resultados. “A democracia é assim”, escreveu o ex-juiz e ex-ministro, que brigou com Bolsonaro, mas acabou se reaproximando na campanha. “Estarei na oposição em 2023, respeitando a vontade dos paranaenses”, escreveu ainda o senador eleito.
Deputado federal eleito mais votado do país nestas eleições, o mineiro Nikolas Ferreira (PL) chegou a estimular o golpismo dos bolsonaristas, mas tem focado seu discurso, desde a eleição, mais na construção de uma forte oposição parlamentar ao governo de Lula.
É o caso, também, do atual vice-presidente e senador eleito Hamilton Mourão (Republicanos-RS), que criticou, no último dia 2 de novembro, os bolsonaristas que estão na frente dos quartéis pedindo intervenção: “querem que as Forças Armadas deem um golpe e coloquem o país numa situação difícil perante a comunidade internacional”, escreveu ele, que também tem dado entrevistas e feito postagens se colocando como um nome ativo da oposição.
Veja:
O futuro governo do @LulaOficial está negociando com o Congresso um rombo de 200 bilhões no orçamento de 2023, ou seja, zero compromisso com o equilíbrio fiscal.
O resultado será aumento da dívida, inflação e desvalorização do Real. Onde estão os críticos???— General Hamilton Mourão (@GeneralMourao) November 3, 2022
Além de políticos do Centrão, que não fecham as portas para Lula, e dos que já prometem resistir ao petista sendo oposição (e não tentando derrubá-lo via golpe), os bolsonaristas radicalizados não contam com o apoio de um dos principais grupos de apoio eleitoral a Bolsonaro: os evangélicos. Após uma corrida eleitoral de campanha ferrenha pela reeleição do presidente, nas redes e nos cultos, lideranças evangélicas mudaram de tom após a derrota.
O pastor Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, por exemplo, declarou em tom ameno que irá orar pela nova gestão e pelo chefe do Executivo eleito. Já o bispo Edir Macedo, presidente da Igreja Universal do Reino de Deus, sugeriu, em um vídeo publicado na quinta-feira (3/11), que os brasileiros devem perdoar Lula. A tentativa de reaproximação, porém, foi inicialmente rechaçada pela presidente do PT, Gleisi Hoffmann.
Futuro do bolsonarismo raiz está em aberto
A derrota eleitoral deste ano não fará desaparecer o bolsonarismo raiz, que já é um movimento político consolidado, mas o futuro desse movimento dependerá dos próximos movimentos de seu líder, avalia o cientista político Rui Tavares Maluf, professor na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP).
“Eles podem continuar até sem Bolsonaro, criar novas lideranças com ideias parecidas, mas isso vai depender do próprio Bolsonaro. Se ele vai aceitar a ideia de ser uma espécie de líder da oposição, se vai mesmo ficar em Brasília, se vai ficar insuflando a base e participando de eventos. Se ele quiser ser essa figura, terá facilidade em liderar sua base mais fiel, cujo tamanho exato ainda não sabemos”, afirma o especialista, em entrevista ao Metrópoles.
Ainda de acordo com Tavares Maluf, o grupo que defende um golpe de Estado parece ser uma minoria entre os mais de 58 milhões de eleitores que escolheram Bolsonaro em 30 de outubro. “Não acho que os que bloquearam rodovias e deixaram até bolsonaristas indignados, como o governador eleito de Santa Catarina, Jorginho Mello (PL), representem todos ou mesmo a maioria dos eleitores. Embora não dê para quantificar, parto do princípio de que a radicalização vem de minorias”, afirma o professor. “O que não faz delas algo sem risco. Minorias podem conseguir fazer muito barulho e, muitas vezes, fazer o processo político acontecer”, conclui Tavares Maluf.
E a pauta mais recente dessa minoria radical, indicam posts que começaram a circular na sexta (4/11), é voltar as críticas, novamente, às urnas eletrônicas e tentam mobilizar uma greve geral, com comércios fechados, a partir de segunda-feira (7/11).