Ao fazer uma visita à Casa da Moeda, o artista Vik Muniz ganhou um pacotinho de dinheiro picado. Conhecido por ressignificar objetos utilizando materiais inusitados como chocolate, macarrão, diamante e lixo para criar imagens, perguntaram ao artista se ele tinha interesse em ter acesso a maiores quantidades daquele material. Ele não hesitou em dizer que sim. Com os retalhos de dinheiro, Vik criou a série “Dinheiro Vivo”, em exposição na galeria Nara Roesler, em São Paulo.
“Com o dinheiro, eu queria conseguir capturar o sentido mais trivial, mais físico do que ele representa. Porque assim você consegue fazer o público pensar sobre aquilo que está na frente dele”, explica o artista, em entrevista ao Metrópoles.
As primeiras obras da série são metalinguísticas. Vik partiu da imagem presente nas cédulas do Real para recriar com o papel picado da própria nota as imagens da onça-pintada, do mico-leão-dourado, da tartaruga marinha e do lobo-guará. Na segunda sala da galeria, estão as releituras das paisagens brasileiras realizadas por artistas viajantes no século XIX.
“As obras dos viajantes tinham dois focos: o exótico e o econômico. Os artistas faziam expedições porque tinham um cunho comercial, o intuito era ver o que poderiam tirar dessas terras, o que serviria para enriquecer os donos das colônias”, ressalta.
Assim como “Crianças de Açúcar” (1996), em que realizou, com açúcar, retratos de filhos de trabalhadores de usinas da ilha de St. Kitts, no Caribe, essa nova série também tem um lado político — e decolonial, ao questionar as paisagens brasileiras criadas pelos artistas europeus. Vik, no entanto, toma cuidado para não transformar seu trabalho em um panfleto.
“O trabalho tem de ser político no momento em que aprimora a relação do público com o assunto”, alerta. “A arte que é feita baseada em opinião não é boa.”
Confira os principais trechos da entrevista.
Os retratos dos animais que estão nas cédulas do Real são quase metalinguísticas ao usar o dinheiro para falar do próprio dinheiro.
Eu sempre pensei no dinheiro como uma forma de comunicação, como mídia. Toda imagem carrega uma metáfora física também. Quando fiz os retratos com diamante, as pessoas queriam comprar porque era como se estivessem comprando diamantes. Com o dinheiro, eu queria conseguir capturar o sentido mais trivial, mais físico do que ele representa. Porque assim você consegue fazer o público pensar sobre aquilo que está na frente dele. Você tem de começar do básico para depois complexificar. O (artista) Tunga (1952 – 2016) falava que a obra de arte é uma cebola — são várias camadas que você tem de ter vontade de escavar.
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Passando para as próximas camadas, como os retratos dos animais evoluíram para as paisagens?
Comecei a ter essa relação com a floresta durante a pandemia. Na mesma época em que estou fazendo esse trabalho, comprei um terreno, na Serra da Mantiqueira, com uma área de nascente que quero reflorestar. Eu já estava pensando em árvore, floresta… Meu processo criativo não é claro e rígido. Minha cabeça é um caldeirão de sopa. Estou estudando as árvores que quero plantar e, ao mesmo tempo, vendo os trabalhos desses artistas viajantes que vieram para o Brasil e realizando esse trabalho com essas notas picadas.
Como foi feita a escolha das paisagens que você recriou?
Quando fiz uma exposição sobre paisagens, aqui em São Paulo, eu me deparei com uma coisa muito interessante: não existe a ideia da paisagem brasileira na nossa cultura. Você terá os acadêmicos, tipo o (Giovanni) Castagneto (1851-1900), que fazem uma pintura histórica mais estrutural. A pintura de paisagem aqui no Brasil chega com as expedições dos artistas viajantes, que pintavam o que viam. Mas o Frans Post (1612-1680), mesmo, pintava o Brasil com um ar de uma certa Holanda. Depois, com o modernismo, a pintura de paisagem se torna puramente mental e utópica. Não é mais natural, é uma ideia. E vivemos em um país com uma natureza inacreditável.
Por que você resolveu se inspirar em obras de artistas que vieram para o Brasil em vez das paisagens naturais?
As obras dos viajantes tinham dois focos: o exótico e o econômico. Os artistas faziam expedições porque tinham um cunho comercial, o intuito era ver o que poderiam tirar dessas terras, o que serviria para enriquecer os donos das colônias. Tudo tem de gerar valor — valor que você cria com representação. Acho que imaginamos essas obras do século XIX com um romantismo e uma ótica ambiental contemporânea que não compactua com a época em que foram feitas. Aquela obra de (Félix) Taunay (1785-1881) (“Vista de um mato virgem que se está reduzindo a carvão”), podemos achar que ele estava denunciando, mas talvez estivesse achando bom, porque o carvão era o progresso. Ele faz essa obra durante a Revolução Industrial. A série “Dinheiro Vivo” foi feita na pandemia com muita paciência, quase de forma terapêutica. E, na pandemia, o dinheiro não valia nada — você não podia viajar, comer em um restaurante. O dinheiro ainda era algo sujo que deveríamos evitar tocar devido ao risco de transmissão do vírus.
Com o Pix, muitas pessoas deixaram de carregar dinheiro vivo na carteira. Com esse trabalho, você traz uma nova materialidade do dinheiro ao público.
Tenho sempre dinheiro no bolso. Eu me sinto inseguro sem dinheiro vivo. Não significa que gaste o dinheiro. Às vezes, a nota fica semanas amassando no bolso. Tem um fotógrafo que me disse uma coisa engraçada: a nota de R$ 50 vale mais do que a de 100, porque você convive mais tempo com ela, então dói você se desfazer dela. O dinheiro faz você voltar a ser criança. Minha filha mais nova pede para trocar uma nota de valor maior por um monte de nota de R$ 1, porque assim ela tem mais notas. Tenho um maço de notas de 100 dólares de um pagamento que recebi e nunca gastei. Porque gosto daquela sensação tátil de pegar no bloco de notas, tão gostoso de segurar. Brinco que parece um quindim.
Você já considerou fazer esse trabalho com dinheiro de outros países?
Eu não ia conseguir esse volume de notas de moedas de outros países. Essa seria uma logística mais complicada. E tem o contexto brasileiro. Enquanto eu estava fazendo essa série, o Ricardo Salles estava no Ministério do Meio Ambiente. Isso dá mais uma camada ao trabalho. Aí, você começa a pensar. Tudo é dinheiro. Aquelas árvores viraram dinheiro.
Assim como “Crianças de Açúcar”, em que retratos feitos com açúcar de filhos de trabalhadores de usinas da ilha de St. Kitts, no Caribe, esse trabalho também tem um lado político.
Detesto arte que é panfletária. O trabalho tem de ser político no momento em que aprimora a relação do público com o assunto. Você não precisa fazer de uma forma direta, tacanha. Porque senão vira simplesmente comunicação. O pessoal começa a fazer arte sobre causas sociais como racismo, homofobia… Acho tudo bem que alguém faça. Mas, por exemplo, eu conheço uma pessoa que fez umas coisas sobre a Ucrânia… Fico com pé atrás. O fotojornalismo já faz isso muito bem com o fotógrafo lá in loco. “Ah, mas eu acho que a Rússia…” “Ah, eu acho que… ”. Cara, artista não tem que achar nada. A arte que é feita baseada em opinião não é boa.
Nara Roesler: Av. Europa, 655 — Jardim Europa. Seg./sex.: 10h/19h; sáb.: 11h/15h. Site: nararoesler.art. Grátis. Até 22/4.
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