O último depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara Legislativa que investiga atos golpistas contou com relatos de proteção de militares do Exército aos bolsonaristas. Os deputados distritais ouviram, na última quinta-feira (16/3), o coronel da Polícia Militar do Distrito Federal Jorge Eduardo Naime. Após ele dar nomes e datas que comprovariam tal colaboração do Exército, os parlamentares começaram a se movimentar a fim de tentar alcançar pessoas da Força, submetida ao governo federal, dentro de uma Comissão distrital.
Em uma das decisões neste sentido, a CPI conseguiu aprovar o requerimento de convocação do general Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) de Jair Bolsonaro (PL). Ainda sem data para ser ouvido, Heleno pôde ser convocado por estar na reserva, sem cargo na União. Já o general Gonçalves Dias, atual chefe do GSI, recebeu um convite para prestar esclarecimentos, e pode não comparecer à sessão.
Outros nomes do Exército agora são alvo de estudos jurídicos da Câmara Legislativa, que avalia se está dentro da competência daquela Comissão a investigação dessas pessoas. O presidente da CPI, Chico Vigilante (PT), já adiantou um dos nomes, que foi citado por Naime durante o depoimento.
“Vou pedir para nossa procuradoria verificar se, legalmente, a gente pode convocar o general Dutra. Se puder, ele certamente será convocado. A atitude dele é terrível. Demonstra efetivamente que eles estavam a serviço do golpe”, afirmou. Gustavo Henrique Dutra de Menezes estava à frente do Comando Militar do Planalto (CMP) durante o 8 de janeiro.
Em depoimento à CPI da Câmara Distrital, Jorge Naime afirmou que levou denúncias ao Exército e ofereceu 500 homens para desmobilizar os golpistas. pic.twitter.com/OkjwyEy8R7
— Metrópoles (@Metropoles) March 16, 2023
Coronel coloca general e capitão na mira
O coronel Jorge Eduardo Naime prestou esclarecimentos à CPI por mais de quatro horas. Atualmente preso por investigações relacionadas à tentativa de golpe, em inquérito do Supremo Tribunal Federal (STF), ele é ex-comandante de Operações da PMDF. No depoimento, ele detalhou situações em que a PMDF foi impedida pelo Exército de realizar um trabalho contra criminosos que pediam pelo golpe.
Nessa longa oitiva, dois nomes foram citados por Naime. O militar mais citado foi o general Dutra, que teria impedido prisões de golpistas após ordem do ministro do STF Alexandre de Moraes. O policial ouvido pelos deputados contou com detalhes a quebra de braço das forças de segurança do DF com o Exército em frente ao QG logo após a invasão aos prédios dos Três Poderes.
Breno Esaki/Metrópoles
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“Olhei para trás e vi uma tropa de choque montada, com blindados, mas voltados para a PM, protegendo o acampamento. Nisso, chega o general Dutra e começa a discussão com [Ricardo] Cappelli. O interventor dizia que tinha ordem para entrar, mas o Dutra ficava dizendo que não iria. O Cappelli insistindo que ia prender quem estava lá e ele negando. Em determinado momento, Dutra pegou um telefone e ligou, disseram que ligou para o presidente Lula”, contou Naime.
Segundo o policial, o Exército foi ríspido com autoridades para proteger os manifestantes acampados, inclusive com discussões sob ânimos exaltados. Durante a oitiva, o relator da CPI, deputado Hermeto (MDB), afirmou: “Esse general Dutra tem que ser ouvido. Temos que aprofundar a linha [de investigação] no Exército, que trabalhou contra a PM”.
Outro nome citado por Naime foi do capitão Romulo Roma Cesar de Albuquerque, hoje lotado no GSI de Lula (PT), nomeado em fevereiro deste ano. O depoente da CPI citou um episódio em que Roma o proibiu de entrar na área do acampamento bolsonarista, em frente ao Quartel-General do Exército de Brasília.
“Fui acessar a área onde toda a população estava acessando, fardado, com patrulheiro do lado, mas acabei abordado por um soldado. Ele botou a mão no meu peito, me proibiu de entrar, chamou o GSI, a comando do capitão Roma. E a população veio toda correndo. Chegou um sargento me apontando o dedo na cara, me mandando sair, os manifestantes começaram a me xingar e fui colocado para fora.”
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Deputados reagem
O depoimento ainda apontou pelo menos quatro tentativas de desmobilização do acampamento no QG que acabaram frustradas pelo Exército. O policial militar relatou ter feito vários planejamentos de operações para coibir crimes no local, mas que sempre acabavam com a ordem das Forças Armadas de cancelar a ação.
“Ali no QG tinha tráfico de droga, ambulante, prostituição, denúncia de estupro. No dia 13 [de dezembro, após a tentativa de invasão à sede da Polícia Federal], recebi ordem do coronel Fábio para acabar com o acampamento. Me virei na madrugada para acionar Choque, Patamo, aeronave. Ficamos na Torre de TV prontos, mas a operação foi cancelada. Não foi só uma vez. Coloquei 553 homens à disposição do Exército no dia 29 de dezembro de 2022 para retirar o acampamento. O GDF colocou uma estrutura completa, mas também foi cancelada.”
Após as investigações da CPI apontarem acusações graves contra militares do Exército, os distritais reagiram. Fábio Felix (PSol) citou que a PM tentou atuar no QG antes do golpe. “Eles apresentaram aqui que essas operações aconteceriam, mas o Exército não permitiu, na figura de generais e outras autoridades. Isso é uma questão muito grave que precisa ser investigada pela CPI. Acho que a gente tem que ir para um caminho agora também de ouvir autoridades do Exército.”
Custos
O Metrópoles mostrou na última semana que o Exército ainda teve gastos altos com a manutenção da manifestação no Setor Militar Urbano. O Comando Militar do Planalto precisou colocar 200 homens a mais em prontidão e realizar patrulhamentos na área para controlar o ato, o que gerou um custo adicional de quase R$ 400 mil, mais de R$ 5 mil por dia de acampamento.
Na ocasião, a reportagem questionou o Exército sobre as vezes em que a polícia foi impedida de desmobilizar a manifestação golpista, mas a força deu uma versão diferente dos fatos narrados por Naime na CPI. Segundo o CMP, não houve qualquer documento sobre retirada de manifestantes do acampamento antes da decisão proferida por Alexandre de Moraes em 8 de janeiro, no Inquérito 4.879.
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