“Enquanto estávamos viajando, a cozinheira começou a pintar […] e revelou-se e uma pintora primitiva maravilhosa, de modo que daqui a mais algum tempo vamos estar vendendo os quadros dela na 57th Street e vamos todas ficar ricas”, escreveu a poeta norte-americana Elizabeth Bishop (1911-1979), em carta à sua médica, em 1952.
A cozinheira a quem ela se refere é a artista Madalena Santos Reinbolt (1919-1977). Seu trabalho pode ser visto na mostra monográfica “Uma cabeça cheia de planetas”, em cartaz no Masp até 26 de fevereiro. A exposição reúne 44 trabalhos, entre pinturas e tapeçarias, realizadas entre as décadas de 1950 e 1970.
Nascida em Vitória da Conquista (BA), Madalena não teve educação formal em artes. Seu primeiro contato com a produção artística veio por meio do bordado, tecelagem, cerâmica e pintura durante a infância com mulheres de sua família.
Na vida adulta, em busca de trabalho, Madalena viveu primeiro em Salvador, depois em São Paulo, seguindo para o Rio de Janeiro, até chegar, em 1949, a Petrópolis, onde trabalhou na fazenda Samambaia, residência da arquiteta Lota Macedo Soares (1910-1967) e de sua companheira, a poeta norte-americana Elizabeth Bishop.
Eduardo Ortega / Coleção Rafael Moraes
Daniel Cabrel/ Museu de Arte São Paulo Assis Chateaubriand
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Entre panelas e tintas
Madalena contou, em entrevista à museóloga e crítica de arte Lélia Coelho Frota, em 1975, que usava as brechas do trabalho como cozinheira para pintar:
“Eu pintava no quintal, em cima da mesa. Era de noite, de dia, a hora que eu dava vontade. Era de manhã, era de noite, ia lá, dava uma pinceladinha num bicho qualquer.”
Como precisava lavar as mãos entre uma pincelada e outra para poder mexer nas panelas, acabou trocando a pintura pela tapeçaria. “Eu cansei de tinta porque toda hora eu tinha que lavar a mão, mas minhas mãos adoeceram mesmo não foi de tela, foi de sabão”, afirmou.
Fora do quadrado
Para criar suas tapeçarias, Madalena usava como base a talagarça ou estopa, tecidos de tramas abertas. A grade quadriculada oferecida pelo material costuma ser usada por artesãos com um guia para desenho geométrico ou para composição de uma imagem pixelada, criando um certo padrão na composição.
A artista, contudo, subverte a grade do tecido. Seus pontos não seguem qualquer ordem dentro da estrutura quadriculada. Com a agulha e linhas em mãos, Madalena seguia sua intuição para criar suas paisagens rurais, composições geométricas e cenas do cotidiano e imagens católicas – como a Santa Ceia.
Seus trabalhos eram realizados com 154 agulhas atravessadas com linhas de diversas cores, como uma paleta. “Ela pensava na agulha com a linha quase como um prolongamento da mão. Era como se fosse um pincel”, explica André Mesquita.
Entre pessoas, animais e sóis
Segundo o relato da artista, não havia qualquer rascunho ou planejamento prévio do que iria executar antes. As imagens iam se criando conforme Madalena bordava.
“É um trabalho muito especial no sentido de repensar a memória, em que ela recria paisagens, ambientes e arquiteturas que conheceu”, explica o curador. “Outro ponto interessante é a técnica de como ela insere as personagens nas paisagens, chegando algumas vezes quase à abstração.”
A artista também criou um vocabulário próprio de elementos que se repetem em diversas composições. Figuras humanas, como uma mulher loira; alguns animais – a exemplo de aves e cavalos (ou seriam mulas ou burros?) –; e o sol são algumas das imagens presentes em diversos trabalhos.
Em suas tapeçarias, a artista apresenta uma paleta de cores muito particular – rosa choque azul anil e um amarelo vibrante – e uma grande sensibilidade para misturá-las, criando interessantes contrastes.
Uma grande artista
Ainda que, em vida, Madalena não tenha tido o reconhecimento merecido, ela sabia que era uma grande artista. A própria Lota Macedo Soares disse isso para ela e ainda recomendou que fosse fazer um curso formal de arte. Em carta à sua médica, a poeta Elizabeth Bishop também reconheceu o talento de Madalena:
“A Lota tem uns vasos que Portinari fez para ela e somos obrigadas a reconhecer que os da cozinheira são muito melhores.”
A exposição “Madalena Santos Reinbolt: uma cabeça cheia de planetas” faz parte programa “História Brasileiras”, desenvolvido pelo Masp em 2022 – do qual também fez parte a retrospectiva da artista Judith Lauand. Para o curador, a presença do trabalho da artista neste momento se conecta com a ideia da instituição de trazer relatos mais pessoais e plurais sobre a arte brasileira.
“É muito importante esse compromisso do museu em não olhar apenas uma única produção artística ou um único relato sobre a história do Brasil. O trabalho da Madalena pode trazer, enfim, imagens desses muitos Brasis que merecem ser redescobertos.”
Masp: Av. Paulista, 1578 – Bela Vista. Ter.: 10h/19h, qua./dom.: 10h/17h. Ingresso: R$50, (ter.: grátis). Site: masp.org.br. Até 26 de fevereiro de 2023.
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