Crítica: “O Cidadão Ilustre” faz reflexão sobre a fama

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    Divulgação

    O grande escritor russo Leon Tolstói (1828 – 1910) ensinou certa vez que: “se queres ser universal, começa por pintar sua aldeia”. É a premissa que ronda, de certa forma, a trajetória do escritor consagrado argentino, Daniel Mantovani (Oscar Martínez), protagonista do drama farsesco, “O Cidadão Ilustre”. O título, por si só, já esconde uma fina ironia, como o espectador pode conferir ao longo da história.

    Exilado em Barcelona há quase 40 anos e recém-consagrado com o Prêmio Nobel de Literatura, esse escritor recluso resolve voltar à pequena Salas, sua cidade natal. O convite partiu da prefeitura local, que deseja homenageá-lo com o título de cidadão honorífico, ouvi-lo em conferências sobre literatura e promover sessões de autógrafo. A princípio, ele declina, sabe que fantasmas do passado o fizeram ir embora cedo de lá, mas aceita o desafio.

    Vai sozinho e quer discrição, enfim, sem alaridos da imprensa e mesmo da população, que o considera um herói local. Um intelectual amargurado, arrogante e vaidoso, Mantovani acaba amolecendo o coração e se deixa levar pelos mimos e bajulações de seus conterrâneos. Quando vê, está nos braços do povo, o mesmo que ele ridicularizou em sua obra e que lhe rendeu prêmios, glória e fortuna.

    Ninguém é profeta em sua terra
    Complexo em sua simplicidade de ser, como tem sido grande parte dos filmes argentinos, “O Cidadão Ilustre”, maior bilheteria do país em 2016, traz reflexão divertida e precisa sobre o duelo travado entre a realidade e a ficção. Afinal, o que é fantasia e o que é verdade no processo criativo de um escritor? Para os diretores da fita, Gastón Duprat e Mariano Cohn, esses dois mundos distintos se complementam.

    Norteado pela bela atuação de Oscar Martínez – vencedor do Leão de Prata em Veneza -, o filme também fala sobre os perigos de ser amado e odiado quando se é uma celebridade. E essa situação rara de Mantovani reafirma uma máxima clássica de Jesus Cristo: “Ninguém é profeta em sua própria terra”.

    Essa mistura de idolatria e repulsa é justificada quando um morador local, após desavença de opiniões artística, chama atenção para o alto teor de rancor e ressentimento que marca sua literatura. E é verdade. Todos os livros escritos por Mantovani são uma caricatura crítica com relação à hipocrisia e o provincianismo do lugar de onde veio.

    O pior não é isso. Passado quase 40 anos de sua partida, nada mudou por ali, com os mesmos selvagens de antes, orgulhosos de sua brutalidade e mesquinhez inconsciente. Não tem jeito, como mostra o filme, a mediocridade é uma condição inerente à raça humana. Em muitos casos, como num processo orgânico, natural e espontâneo, já nascemos com ela.

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    Avaliação: Bom

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