
O Netflix pretende produzir, ao redor do mundo, 80 filmes em 2018. É um número hercúleo, maior do que o de vários estúdios americanos somados.
Já presente no Brasil com a série 3%, a plataforma agora lançou “O Matador”, de Marcelo Galvão, como seu primeiro longa-metragem nacional. Porém, se for ele o indicador do selo de qualidade destas futuras produções, o canal de assinaturas está encrencado. Confuso e incoerente, o filme não consegue firmar sua história ou mesmo seus personagens em uma narrativa memorável.
“O Matador” começa no formato de uma lenda popular. Um andarilho encontra dois cowboys acampados, e em busca de um gole d’água começa a contar a história de Cabeleira (Diogo Morgado), o maior assassino que o sertão já conheceu.
Encontrado quando bebê pelo matador Sete Orelhas (Deto Montenegro), é criado numa cabana isolada e instruído na arte de matar até que um dia este pai adotivo sai de casa e não retorna. Já crescido, Cabeleira vai em busca de uma pista desta figura paterna e uma série de episódios o levam até um inescrupuloso francês (Etienne Chicot), coronel local.
O gênero de faroeste é constantemente sub-aproveitado no cinema brasileiro, talvez até pela apropriação que o Cinema Novo fez sobre o sertão, tornando difícil brincar com o cinema de gênero numa região cujas mazelas foram representadas com tanta importância e profundidade social.
Por isso, “O Matador” abandona qualquer ascendência regional e assume em vez disso os westerns americanos como referência. Parece adotar um processo algorítmico natural de quem, como o Netflix, constantemente analisa hábitos de consumo para tomar decisões (a inclusão de nomes como Maria de Medeiros, Thaila Ayala e Mel Lisboa, que não tem 20 linhas de diálogo somadas entre elas, é uma forte indicação disto).
Indeciso sobre qual história contar, o filme oscila entre a busca de Cabeleira pelo pai, por sua vez confundida com uma vontade deste de se tornar o maior matador da região, com pequenas histórias de habitantes da região.
Personagens vem e vão a esmo, sem relação a um arco maior dentro da história. O próprio Cabeleira some da trama em pontos diversos, e reaparece mais tarde meio que aleatoriamente. Preguiçoso, o roteiro tem mais narração em voice-over do que diálogos entre os seus personagens.
A própria interpretação de Cabeleira, como um neandertal coberto de poeira, não servirá para interessar muito o espectador. Suas ações são aquelas de um peixe fora d’água, e é difícil enxergar nele o que os outros personagens veem. Mesmo sua habilidade em matar os outros não parece maior do que a de outros capangas, não importa quantas vezes alguém fala que ele é o melhor.
No meio do filme, como o próprio trailer revela, ele descobre um filho, e o relacionamento entre os dois é um incômodo. Uma das falas repetidas pelo narrador é que “para matar alguém, é preciso manter a cabeça vazia”. Cabeleira a mantém vazia mesmo quando não está matando.
Em termos visuais, muito se dirá sobre a beleza do sertão e a luz de seu sol escaldante. O filme usa e abusa dos planos distantes, da fotografia de drones, das silhuetas no contra-luz e das cores desérticas. Mas tudo isso é sabotado pela falta de mise-en-scène e de uma computação gráfica de baixíssima qualidade, juntamente com o roteiro, o ponto fraco do filme.
Espera-se que a Netflix aprimore seus critérios de seleção para os inúmeros filmes, série e documentários que tem pela frente. Não é agradável falar mal sobre um projeto em que dezenas senão centenas de pessoas deram seu suor, especialmente quando este trabalho decorre de um investimento que uma das maiores plataformas mundiais de entretenimento está fazendo em nosso país e em nosso cinema.
Avaliação: Ruim