Os quase 90 milímetros de água que caíram sobre a capital entre a madrugada e a tarde desta terça-feira (10/12) contribuíram para uma das imagens mais marcantes desde o início do período chuvoso na capital federal: uma cratera de 20 metros de largura e 10 metros de profundidade engoliu quatro carros em um canteiro de obras, na 709/909 Sul, em frente à Cultura Inglesa. Na hora do incidente, por volta das 15h30, choveu 28,8mm na área central, índice considerado elevado pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Informações preliminares apontam que a tubulação de águas pluviais não suportou o volume de chuva.
A cena chamou a atenção pela destruição no local onde será erguido um centro clínico. Veículos virados, pedaços de madeira e de placas, além de blocos de concreto, se misturavam à terra que deslizou sobre o canteiro de obras. No momento em que o muro de contenção despencou, cachoeiras de água se formaram à beira do asfalto esfacelado. O veículo da pesquisadora Mariana Fontenele, 38, escapou por cerca de 10m. Ela havia estacionado próximo ao local do desabamento para levar os filhos a uma consulta. “A terapeuta das crianças chegou correndo e falando para a gente que uns carros caíram em uma cratera. Quando fui chegando perto, a sensação foi apavorante, mas vi que o meu não foi atingido”, disse.
Ninguém ficou ferido, mas dois edifícios foram evacuados e interditados pela Defesa Civil, o Biocárdios e a Cultura Inglesa. De acordo com o subsecretário da Defesa Civil, coronel Sérgio Bezerra, a situação seguia instável até o início da noite desta terça-feira (10/12). “A cena é bastante insegura, e a cratera pode evoluir e aumentar de tamanho. Não há riscos de o desabamento atingir os outros prédios, mas isolamos por uma questão de segurança, até porque há um tráfego alto de pessoas no local”, explicou.
Quem trabalha no prédio ao lado do canteiro de obras sentiu tremor na região. Foi o caso do podólogo José Alves, 43. “Estava atendendo quando ouvi um barulho muito forte que achei se tratar de um raio. Senti como se fosse um terremoto começando. Ficamos assustados, senti o piso balançar e olhei pela janela para ver o que tinha acontecido. Os carros estavam caídos, e muita gente do prédio da frente começou a correr”, detalhou. José não chegou a perceber nada de anormal na obra, mas uma funcionária dele reparou em um desnível no local onde o buraco foi aberto. “Ela disse que, duas semanas atrás, o piso estava cedendo um pouco e ficou preocupada”, relembrou.
Alisson Santiago, 27, é proprietário de um dos veículos engolidos pelo buraco. O advogado estava com a mulher quando estacionou para ir a uma consulta, minutos antes de a cratera se abrir. “Vi que era uma obra normal, estacionamento regular, outros veículos também estavam lá. Então, não me preocupei. Quando saímos da clínica, vimos todas as viaturas dos bombeiros e nos assustamos.” Ele pensou que uma árvore tivesse caído no local, mas percebeu em seguida que a proporção do acidente era maior. “Quando observei bem, percebi que era onde o meu carro estava. O bombeiro informou como eram os veículos danificados, mostrou foto e vi que o meu estava lá. Acho que a primeira sensação foi de alívio por não estar dentro dele quando isso aconteceu”, desabafou.
Dinarte Miguel de Oliveira, 60, também teve o carro levado pela cratera. Ele havia emprestado o automóvel para a filha ir ao médico e levou um susto quando ela descreveu a situação. “Acionei o seguro para tomar ciência e vou ver com a construtora como eles vão arcar. Mas agora é dar graças a Deus, porque não tinha ninguém dentro. A gente sempre vê calamidades acontecendo por aí, mas não imagina que elas vão acontecer com a gente”, comentou o aposentado.
O tenente do Corpo de Bombeiros Walmir Oliveira avaliou que o rompimento das instalações de água pluvial provocou o dano. Militares da corporação e técnicos da Defesa Civil foram acionados para atender à ocorrência. “Tivemos o desabamento de um muro de arrimo em uma obra de escavação, provavelmente por causa da chuva. O solo atrás desse muro ficou pesado e encharcado; então, cedeu. No que caiu, houve o deslizamento de terra”, explicou o oficial.
Os quatro carros engolidos estavam estacionados ao lado de um tapume que isolava a obra. Nenhum motorista estava no interior do veículo no momento do acidente, assim como não havia funcionários na construção quando aconteceu o incidente.
A Defesa Civil emitiu um termo de notificação à empresa responsável pela obra, a D&B Construtora e Incorporadora, determinando a recuperação imediata da construção. “Com isso, tentaremos evitar mais danos na área. A construtora também assumiu o compromisso de ressarcir os proprietários e alugar um carro para cada um, enquanto os veículos não são retirados da cratera”, informou o coronel Sérgio Bezerra.
O engenheiro Carlos Medeiros, responsável pela obra, disse ao Correio que a construção ocorria de forma regular e que a D&B tem mais de 200 intervenções no Distrito Federal sem intercorrências. “O que aconteceu não é comum. Houve a ruptura de uma rede pluvial, que atingiu o muro de contenção. Então, essa estrutura acabou cedendo, para explicar de forma resumida. Esse é um prédio comercial, em fase de fundação, que começou a ser construído no começo deste ano”, informou.
O Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Distrito Federal (Crea/DF) esteve no local e não verificou nenhuma irregularidade relacionada aos responsáveis pela obra. À reportagem, a entidade informou que orienta as construtoras a sempre ter um profissional habilitado acompanhando as obras, evitando que sejam colocadas sob a responsabilidade de leigos. A sociedade pode ajudar na fiscalização de possíveis irregularidades por meio de denúncias no aplicativo Crea-DF-Cidadão.
A Defesa Civil solicitou ao Departamento de Trânsito (Detran) a redução do tráfego na região do desabamento para evitar sobrepeso na W4. Além disso, orienta a população a evitar a W4 e a W5 Sul, na altura da 709/909. Parte do trânsito está interditado no local.
Condições de perigo
Da 1h às 6h desta terça-feira (10/12), o Inmet registrou 63mm de chuva. “Podemos considerar que a quantidade é suficiente para deixar os terrenos encharcados, com condições de perigo e danos, além de ocasionar desabamentos”, afirmou o meteorologista Francisco de Assis, do Inmet.
Riscos estruturais
Entre 1° de janeiro e 10 de dezembro, a Defesa Civil interditou 115 construções por riscos estruturais no DF. Segundo o órgão, os danos estruturais em edificações é causado, na maioria das vezes, pela ocupação desordenada do solo e pelo improviso nas construções.