O QUE FOI O MOVIMENTO PELO REARMAMENTO MORAL-MRM
SALIN SIDDARTHA
O Movimento pelo Rearmamento Moral-MRM era uma entidade anticomunista internacional de caráter civil, sediada nos Estados Unidos da América, que fazia uma campanha global aparentemente de reforço de certos valores morais e éticos, como honestidade e anticorrupção. Mantinha relações com o American Institute for Free Labor Developement-AIFLD, agremiação estadunidense ligada ao sindicalismo e ao empresariado ianque, com a CIA e possuía ramificações na maioria dos países; envolvia-se também com uma variedade de atividades, tais quais projetos habitacionais de baixo custo, cooperativas de crédito e serviços comunitários.
O Rearmamento Moral nasceu entre evangélicos dos EUA que se diziam chamados por Deus para realizar a “ressurreição moral dos povos”. Possuía inspiração religiosa conservadora e tinha por finalidade vencer o “materialismo do Oriente”, de onde proviria o comunismo, que, segundo o MRM, era uma ideologia que terminaria por conduzir os povos à 3ª Guerra Mundial – afirmava que daria combate ao comunismo em seu próprio campo ideológico e propunha um renascimento global.
O Movimento apareceu no Brasil no início de 1961, quando tornou público um manifesto apresentando suas propostas. Apoiava o IPES (uma junção de organizações empresariais que, coordenadamente com o IBAD, atuava como se fosse um estado-maior das classes dominantes do Brasil, intermediando a articulação da elite financeira e agroindustrial antijanguista com a CIA), servindo-lhe de canal de propaganda, ressaltando aspectos negativos de um iminente golpe comunista.
Em 1961, em percurso pela América Latina, 130 delegados do MRM visitaram o Brasil, quando foram recebidos pelo Presidente Jânio Quadros, que determinou a todos os Ministérios concederem facilidades para divulgação das ideias do Movimento no País. Na ocasião, o marechal Juarez Távora foi nomeado representante do governo brasileiro
à Assembleia do Rearmamento Moral das Américas, realizada em Petrópolis-RJ, em dezembro daquele ano, com o comparecimento de 600 representantes de todos os países do Continente; o marechal, figura proeminente do “tenentismo” e ex-candidato a Presidente da República, percorreu a Nação propagando o MRM.
Os jornais O Globo e O Estado de São Paulo acolheram com simpatia a chegada em nosso território daquela organização; o conservador jornal paulista chegou a distribuir gratuitamente um texto do Rearmamento como encarte, e a entidade conquistou adesões na alta oficialidade militar. Realmente, a imprensa teve um papel estratégico na divulgação do Movimento: importantes jornais brasileiros serviram como meios de veiculação da propaganda dos propósitos rearmamentistas morais, com muitas matérias assinadas pelo marechal Juarez Távora.
O Rearmamento Moral, além da propaganda que lançava por meio da imprensa, empenhou-se em realizar grandes encontros em algumas das grandes cidades da nossa pátria: no segundo semestre de 1961, organizou conclaves no Nordeste – Recife, Fortaleza, Natal e Teresina – e no Rio de Janeiro, no Estádio do Maracanã, que reuniram milhares de pessoas. A programação não somente incluía os tradicionais discursos dos líderes, mas também formas de comunicação de massas mais modernas para a época, tais como filmes e peças teatrais.
A ideologia do Rearmamento Moral teve bom acolhimento entre os militares brasileiros e passou a ser uma sombra onde se gestava o Golpe Militar, acobertando agentes do imperialismo norte-americano. Destacando-se no período da Guerra Fria, sua campanha antiesquerdista coincidia, no Brasil, com a do IPES, ao produzir também filmes com duplo apelo às Forças Armadas e ao público em geral, difundindo e legitimando o papel dos militares na “construção nacional”.
A causa defendida pelo Rearmamento Moral contou com a adesão e apoio de militares muito importantes, como o marechal Henrique Teixeira Lott, general Hugo Bethlen e o então coronel Moreira Burnier, antigo líder das revoltas de Jacareacanga e Aragarças, durante o Governo JK. Tão-logo tornou-se vitorioso, o Golpe Militar reforçou o Movimento pelo Rearmamento Moral.
Ancorado no conservadorismo político, o grupo articulou parcelas do empresariado nacional e influenciou a Federação das Associações das Favelas do Estado da Guanabara-FAFEG para que fosse favorável às remoções forçadas da Favela do Esqueleto e algumas outras.
Com o tempo, o Movimento pelo Rearmamento Moral foi extinto e dele nada sobrou, a não ser uma mácula histórica.
Cruzeiro-DF, 5 de janeiro de 2020
SALIN SIDDARTHA