Muitos falam da necessidade de contemplação; há outros que ensinam técnicas de contemplação; outros ainda estudam os benefícios da contemplação para a saúde. Mas, afinal, o que é contemplação?
A partir do século XX, o mundo ocidental se voltou repentinamente para as práticas de contemplação inspiradas em religiões orientais, como o hinduísmo e o budismo. Firmou-se entre as pessoas a opinião comum de que as religiões orientais são mais espirituais do que o cristianismo, e o resultado disso é que algumas palavras se tornaram mais conhecidas do que muitas palavras cristãs. Hoje, por exemplo, usamos a palavra “guru” como sinônimo de perito em todo tipo de conhecimento e técnica. Outro exemplo é a palavra “mantra” para indicar qualquer tipo de bordão, expressão repetida, slogan de publicidade ou de marca.
Esses poucos exemplos mostram como a sede humana de contemplação religiosa se manifesta nos contextos culturais mais secularizados em que as pessoas vivem. Até mesmo essa necessidade básica se tornou um produto de consumo. Técnicas de relaxamento e de meditação são vendidas e compradas, e mesmo que sejam oferecidas gratuitamente, tais produtos continuam inseridos no sistema produtor-consumidor.
A tradição cristã nunca reduziu a contemplação e a meditação como um sistema de técnicas. O cristianismo, nas suas diversas escolas de espiritualidade, nunca oferece para as pessoas um “produto pronto para o consumo”; oferece sim um modo de vida no qual a oração é componente-chave.
Para dar uma pequena “amostra-grátis” (com muitas aspas nesta expressão!) proponho a leitura do evangelho da transfiguração como uma passagem que nos faz entrever o que é a contemplação cristã. Por isso, antes de continuar a leitura deste artigo, leia Mc 9,2-13, a fim de poder, no fim, voltar a meditar a mesma perícope.
Para contemplar é preciso primeiro aceitar que Jesus nos conduza a um lugar retirado, ao alto do monte assim como ele conduziu Pedro, Tiago e João. Essas são, portanto, as condições para quem deseja: o recolhimento habitual, mesmo em meio a várias ocupações, o silêncio para ouvir a Palavra de Deus, ter o olhar livre de distrações e para ver a luz do rosto de Deus.
Não somos nós que provocamos a revelação de Deus. Mesmo que sejam necessárias e indispensáveis as purificações, a atitude fundamental de quem contempla é a da humilde atenção e a da espera paciente e confiante.
Não podemos exigir que Deus mostre a sua face só porque fizemos todos os esforços requeridos. Pelo contrário, a revelação sempre acontece depois de um caminho difícil. Moisés e Elias, de quem fala a passagem de Mc 9,2-13, receberam a manifestação de Deus em momentos difíceis da vida: Moisés contemplou Deus no deserto, e Elias quando estava fugindo de uma perseguição mortal.
Também os discípulos contemplam a glória divina de Jesus no início do caminho pascal. Foi nesse momento de grande crise que os apóstolos lhes concedem a graça de ver por entre os véus da humildade a glória divina de Jesus.
Deus se revela em Jesus. Assim a contemplação cristã está voltada para a contemplação do rosto de Cristo. Essa é uma graça especial que nós não podemos nos dar a nós mesmos: podemos somente esperá-la com perseverante confiança, desejá-la com ardor crescente. A contemplação do rosto de Cristo permanece, porém, com um dom inefável a ser recebido.
A graça da contemplação tem uma única finalidade: a de ouvir Cristo com coração disponível e com o desejo de segui-lo mais de perto. Nesse sentido, é preciso obedecer: “Este é o meu Filho amado. Escutai o que ele diz”.
“Os discípulos, de repente, olhando em volta, não viram mais ninguém, a não ser somente Jesus.” Jesus permanece com os discípulos. Em certo sentido, pode-se dizer que eles não veem mais Deus, mas somente Jesus.
A contemplação cristã é um ver Deus, mas tal contemplação só é possível porque Jesus está sempre presente. A maior parte das vezes não vemos Deus, por isso é necessária a fé, fé ancorada em Jesus que permanece sempre conosco. Mesmo que não possamos contemplar a todo momento a glória divina, podemos todos os dias ouvir a sua Palavra e podemos segui-lo.
Assim nos preparamos para a vida eterna que consiste exatamente em ver Deus. O verdadeiro benefício da oração não é a saúde, nem a paz interior, nem o equilíbrio, tampouco a eficiência no trabalho ou a prosperidade econômica.
Tudo isso pode ser de algum benefício em determinadas circunstâncias, medida e condições. O verdadeiro, o único e o supremo bem da oração, no entanto, é o próprio Deus. Sem Ele, nenhum “benefício” se reverte para o nosso bem. Com Ele, até mesmo os piores “malefícios”, que possam sobrevir a nós, concorrem para o nosso bem.
Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba.
O post Os benefícios da oração apareceu primeiro em Jornal Cruzeiro do Sul.