O impacto do novo coronavírus e a necessidade de adoção de políticas de isolamento social ao redor do mundo afetou a economia global e já foi tema de comentários neste espaço. Mas poucos setores influenciarão a economia e o modo de vida de muitos países como o dos combustíveis. Com a quarentena decretada ao redor do mundo e com a paralisação do transporte aéreo, assistimos a um fenômeno raro, a queda vertiginosa do preço do petróleo. Por conta da queda da demanda, os contratos futuros do combustível mais utilizado pela humanidade chegaram a ser negociados com valores negativos pela primeira vez na história no mês de abril. Ou seja, os preços negativos do petróleo nos Estados Unidos durante alguns dias do mês passado mostraram que, pela primeira vez, vendedores tiveram que pagar aos compradores para que recebessem os contratos futuros. Como o mercado de petróleo é muito dinâmico, potências petrolíferas trataram de diminuir consideravelmente a produção para adequá-la à demanda, mesmo tendo enormes prejuízos. A derrubada do preço do petróleo também prejudicará ainda mais economias baseadas na exploração desse combustível, como a Venezuela, que tem no petróleo seu único produto de exportação.
O impacto da abundância de petróleo no mundo foi tão forte que levou a Petrobras a iniciar o processo de hibernação de 62 plataformas em campos de águas rasas nas bacias de Campos, Sergipe, Potiguar e Ceará. Essas plataformas foram hibernadas por não possuírem condições econômicas para operar com os baixos preços do petróleo da atualidade. A paralisação dessas plataformas vai diminuir a produção de petróleo para que a empresa se adéque ao mercado e afetará muitas prefeituras e governos locais que contavam com a arrecadação dos royalties do petróleo, grande fonte de receita para muitos deles.
A importância dos combustíveis em geral e do petróleo em particular são tão grandes na economia que alterações bruscas de trajetória da distribuição do combustível causam reflexos em vários setores. Um dos setores mais afetados no Brasil além da cadeia de venda de combustíveis, como distribuidoras e postos é das usinas sucroalcooleiras. Levantamento divulgado esta semana mostra que um quarto das usinas de açúcar e álcool em operação no Brasil corre o risco de fechar as portas até o final do ano como consequência da crise do coronavírus. Sem capital de giro para cumprir compromissos financeiros de curto prazo, muitas dessas empresas serão abatidas pela queda no consumo de combustível, situação agravada pela forte queda do preço do petróleo, que força a queda de preço também do etanol. Nas últimas semanas a cotação do álcool recuou de R$ 2 o litro para R$ 1,30 e a demanda caiu 50% no mesmo período, segundo dados da União da Indústria da Cana-de-açúcar (Única). Os grupos mais capitalizados conseguem ter fôlego para enfrentar o período difícil, armazenar a produção do etanol e até passar a produzir mais açúcar em vez de álcool, mas essa não é a situação de parte dos produtores, que não tem condições de estocagem.
O curioso é que com muita frequência os preços dos combustíveis estão sendo reduzidos pelo governo, tanto dos derivados de petróleo como gasolina e diesel, como do etanol, mas nunca caem na mesma proporção nas bombas dos postos de combustíveis, para o desapontamento dos consumidores, que já não são tantos.
Por outro lado, o derretimento mundial dos preços do petróleo e novas necessidades de mercado que surgirão no pós-pandemia, está derrubando muitos projetos que têm como foco o uso de energia limpa. Até o início do ano, por exemplo, a palavra de ordem na indústria automotiva mundial — setor que possui uma das maiores cadeias produtivas da economia era a eletrificação de modelos, um processo caro, que usa tecnologia sofisticada, e requer muitos investimentos. A eletrificação, em dois meses, deixou de ser prioridade e muitas montadoras estudam agora o que o consumidor vai querer daqui para frente. Há quem aposte em veículos mais básicos, com preços acessíveis, mais apropriados para economias em crise. Projetos de carros elétricos que exigem grande sofisticação tecnológica, decididamente não estão entre as prioridades.
A crise chegando à indústria do petróleo e, no caso do Brasil, ao setor sucroalcooleiro, exige grande atenção dos governantes para não desmantelar um patrimônio verdadeiro do País, o know-how da prospecção de petróleo em águas profundas e nossa tecnologia do álcool, um setor que obteve sucesso na produção de combustível limpo.
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