Nelson Fonseca Neto – [email protected]
Escrevo esta coluna na manhã do dia 15/10. Deixei para a última hora. Não é culpa da correria ou de contratempos. Deu vontade de escrever num horário diferente. Mistérios da mente.
Está nublado, o que aumenta minha alegria. Sempre fui adepto do céu carregado. Lembro perfeitamente da minha felicidade, na época do primário, quando chovia ou quando estava prestes a chover. Lembro da sala de aula, do caderno aberto, da iluminação incompatível com o período da tarde.
Acho meio deprimente o dia ensolarado. Em dias de céu terrivelmente azul, bate uma vontade danada de morar na Islândia. Não falo isso da boca pra fora. Ainda mais com tudo o que tem rolado por aqui nos últimos meses. Mas deixemos as lamentações para uma outra oportunidade.
Minha ideia de paraíso é bem simplinha. Um chalé de madeira, as pessoas amadas por perto, livros, essas coisas. De preferência, um chalé de madeira num cenário com bastante vento e céu carregado. Seria o lugar perfeito para eu usar camisa xadrez sem aparecer alguém perguntando se eu furtei a toalha de uma cantina italiana. Ou se estou preparado para a festa junina.
Eu acho que você já passou pela situação de sonhar com o que faria da vida caso se tornasse alguém muito rico. Tem gente que acha besteira esse tipo de divagação. Bom, tem gente que é chata mesmo. Fazer o quê?
Já imaginei como seria a minha vida caso eu me tornasse muito rico. Muita gente, nessas horas, se vê deitada de frente pro mar, bebericando drinques cheios de firulas. Respeito, mas não é pra mim. Tenho pavor de Julio Iglesias e afins. Há que incremente o sonho e diga que jamais pegaria no batente de novo. A vida como férias eternas.
Eu abriria mão do sol, da praia e do drinque cheio de firulas. Não me vejo aposentado aos quarenta e poucos. Longe de mim bancar aqui o trabalhador bonzinho. Cada um sabe onde o sapato aperta.
Minha vida de milionário não passaria por grandes mudanças. Eu continuaria morando por aqui mesmo. A casa de madeira na Islândia serviria para os meses de férias. Acho que seria a minha maior extravagância.
Juro que não penso em carrões. Estou satisfeito com o meu. Para não dar uma de franciscano de araque por aqui: talvez eu comprasse um melhorzinho, mas jamais seria algo que chamasse a atenção da moçada. Já vi gente tirando foto de carrões no estacionamento da padaria ou do restaurante. Eis um belo exemplo de cafonice. Sem contar que vários desses carrões são esportivos e barulhentos. E você sabe que considero o barulho a grande praga da humanidade.
Falando em barulho: moramos no quarteirão com a maior concentração, por metro quadrado, de cortadores de grama. É meio doido morar no centro da cidade e ouvir sempre cortadores de grama funcionando. Não vou bancar o evoluído e dizer que sempre o barulho do cortador de grama é algo poético.
Tem hora que irrita, e muito. Principalmente quando o bicho pega bem na hora do sacrossanto cochilo pós-almoço. (Acho que sou dono de um humor dócil. Só fico meio atacado depois do almoço. De manhãzinha, acordo como uma flor.). A Patrícia, com sua paciência infinita, ri quando reclamo do barulho do cortador de grama. Se bem que eu melhorei. Já reclamei mais. E tem outra: quem conduz o cortador de grama está trabalhando honestamente. Muitas vezes com o sol castigando feio. Muitas vezes no domingo.
Acho que o cenário da minha felicidade está ficando mais nítido. Céu carregado. Casa de madeira na Islândia nas férias. A presença das pessoas amadas. Livros. Conexão com a internet. Pouco barulho. Essas coisas.
Agora preciso sair. Tem um nanico aqui, de quase um ano e oito meses, pedindo para brincar na sala. Espero que vocês entendam.
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