A morte do ídolo

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A Argentina está de luto. Perdeu na última quarta-feira seu maior ídolo do futebol, o sempre abusado Diego Armando Maradona, que morreu precocemente de uma parada cardiorrespiratória quando estava em casa, se recuperando de uma cirurgia no cérebro, para eliminar coágulos resultantes de algum acidente anterior. As filas que se formaram já na madrugada de quinta-feira na Plaza de Mayo e arredores da Casa Rosada, sede do governo argentino e onde o corpo foi velado, dão a dimensão do apreço que os argentinos tinham pelo “pibe de oro”, seu garoto prodígio que encantou o mundo com seus dribles e jogadas geniais.

Maradona, como muitos ídolos do futebol de todo o mundo, teve uma origem extremamente humilde. Nasceu em Lanús, localidade pobre da Grande Buenos Aires, e aos 9 anos já tinha seu talento com a bola reconhecido na comunidade pobre em que vivia. Teve sua habilidade descoberta pelo técnico do Argentinos Juniors, um time pequeno da Capital, mas com fama de fazer um bom trabalho nas categorias de base. As qualidades do craque propiciaram uma carreira meteórica, pois aos 16 anos foi convocado pela primeira vez para jogar na seleção argentina e em 1978 se tornou o artilheiro do campeonato do país. Um ano depois, além de ser novamente o artilheiro argentino foi escolhido como o melhor jogador sul-americano. Daí para frente, sua trajetória na profissão foi um acúmulo muito rápido de sucessos e glórias. Passou pelo Boca Juniors, seu time do coração e, em 1981, foi vendido para o Barcelona, o time catalão que desde 1974 não vencia o campeonato espanhol. Não foi bem na temporada na Espanha e seu passe foi então vendido para o pequeno Napoli, onde foi amado como um rei. Foi como jogador do time italiano que ele ficou mundialmente conhecido na Copa do Mundo de 1986. Em 1986-1987 deu o título da série A ao Napoli que também venceu a Copa da Itália, dando início a uma série de vitórias nunca imaginada pelo esquadrão italiano.

Vem a público, nessa época, o envolvimento do jogador argentino com entorpecentes, sobretudo cocaína. Ele é pego em um exame antidoping após uma partida. Pouco depois, já em Buenos Aires, é preso em uma batida policial sob efeito de drogas. A partir desse momento, os feitos esportivos da carreira do atleta disputam espaço com escândalos e envolvimento com álcool e drogas nas páginas policiais. Cultuado como um semideus pela torcida do Napoli — o estádio do time, o San Paolo, vai se chamar a partir de agora estádio Diego Maradona — o jogador inicia sua trajetória de decadência em que passa por diversos times, inclusive retorna ao seu querido Boca Juniors, mas sempre aparecendo mais no noticiário policial ou de fofocas de celebridades, do que nas páginas esportivas. Encerrada a carreira de jogador, inicia outra como treinador onde conhece altos e baixos, mesclada com internações para desintoxicação, muitas delas em Cuba, e atritos com a imprensa.

A vida e a trajetória de Diego Maradona no mundo esportivo pode ser comparada a vários outros jogadores que, como ele, de origem extremamente modesta, iniciaram a vida nos esportes em times da periferia dos grandes centros e, por uma série de razões, enveredaram por caminhos outros que prejudicaram suas carreiras e comprometeram sua saúde física e mental. A projeção inesperada, a fortuna que recebem, a paparicação dos fãs e o tratamento distinto que passam a receber podem explicar alguma coisa, assim como a falta de maturidade. São muitos os exemplos, mas os brasileiros mais velhos certamente fazem um paralelo com outro craque fantástico, o nosso Mané Garrincha. Operário de uma indústria têxtil na baixada fluminense, tornou-se o maior ídolo do Botafogo de Futebol e Regatas nos anos 50 e 60 do século passado e da seleção brasileira. O “anjo de pernas tortas”, como era chamado pela crônica esportiva, jogou nas Copas de 1958, 62 e 66. Um craque dentro de campo, teve uma vida complicadíssima, arruinou todo o patrimônio que poderia ter formado com o que ganhou no futebol e morreu vítima do alcoolismo. Outro exemplo recente e que também vem do futebol, é o do craque Adriano, com passagens por diversos times do Rio e até pelo São Paulo Futebol Clube e Corinthians. Adriano, entretanto, ficou conhecido pelo sucesso que obteve em times da Itália e também por abandonar os treinos e concentrações, mesmo na Europa, para retornar sem autorização para a comunidade onde nasceu, a Vila Cruzeiro, no Rio, cidade onde encerrou sua carreira.

Quanto à tragédia pessoal de Maradona, semelhante a tantas outras do mundo esportivo, cabe uma análise do ex-jogador Paulo Roberto Falcão, elegante como sempre, que disse mais ou menos o seguinte: dentro do gramado, com a bola nos pés, Maradona era Deus. Fora de campo, era humano.

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