Embora as investigações sobre o caso dos milhares de livros encontrados na semana passada na Arena Multiúso estejam apenas começando, pelo menos uma conclusão já é possível emitir sobre a aquisição que custou R$ 29 milhões ao município no apagar das luzes do governo encerrado em 2020: faltou planejamento à administração sorocabana.
O mais grave, porém, é que o flagrante registrado por vereadores e denunciado pelo jornal Cruzeiro do Sul não descreve uma situação isolada de descaso com o dinheiro público.
Lamentavelmente, as improvisações — popularmente conhecidas como gambiarras — substituem as “estratégias” de governo não apenas em nosso município e neste momento, mas em todos os âmbitos governamentais e em um período que a memória histórica já nem consegue precisar.
Para a angústia e desesperança do cidadão que trabalha duro e paga seus impostos — numerosos e elevados — a fim de manter a máquina pública funcionando, mandatários despreparados usam e abusam do empirismo, transformando o dia a dia da cidade em uma sequência interminável de tentativas e erros.
No caso das toneladas de livros acumuladas improvisadamente nas dependências da quadra esportiva, são muitas as interrogações que continuam no ar, começando com a conveniência do investimento em circunstâncias tão insólitas como a pandemia do novo coronavírus, passando pelo processo licitatório, seguindo pela escolha dos títulos, continuando pelo local do armazenamento, alcançando a ainda duvidosa adequação do conteúdo ao público alvo, para findar no gigantesco aparato logístico necessário à distribuição do acervo a toda a rede municipal de ensino.
As declarações objetivas da ex-prefeita Jaqueline Coutinho em entrevista ao jornalista Marcel Scinocca, do jornal Cruzeiro do Sul, no início desta semana, assim como os indícios deixados nas entrelinhas pelo seu ex-colaborador, o professor Wanderley Acca — titular da Secretaria Municipal da Educação (Sedu) até o último dia 31 de dezembro — esclarecem a motivação determinante para o dispêndio de aproximadamente R$ 29 milhões amealhados do suado dinheirinho do contribuinte sorocabano com a famigerada biblioteca.
A aquisição tencionou, primeiramente, o cumprimento do Artigo 212 da Constituição Federal de 1988 — assim como da Lei Complementar número 101, a temida Lei da Responsabilidade Fiscal –, que fixa o investimento mínimo no setor educacional por parte dos municípios em 25% da arrecadação anual.
Como em 2020 o ensino ficou restrito a poucas atividades à distância — por conta do isolamento social necessário ao combate à Covid-19 –, as despesas acabaram sendo menores e os investimentos praticamente inexistiram. Sem gastar o piso legal, o prefeito incorre em Crime de Responsabilidade, para o qual estão previstas duras penas, e o município tende a ser punido com o corte de outras verbas.
Em outras palavras, a compra dos livros pode ser interpretada como uma alternativa aleatória. Ao invés do acervo, a cúpula da Sedu e a chefia do Executivo Municipal poderiam ter optado por brinquedos novos para as creches, ou escolhido adquirir computadores de última geração em substituição aos disponíveis atualmente nas escolas de ensino fundamental… ou, ainda, quem sabe, câmeras para a implantação do tão necessário videomonitoramento para melhorar a segurança nas unidades da rede.
Vale lembrar que no mesmo afã de atingir os 25% de gastos com a Educação, a prefeita Jaqueline Coutinho assinou decreto no dia 16 de dezembro — portanto, a 14 dias da transmissão do cargo ao seu sucessor — declarando a utilidade pública do antigo prédio do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae), no Jardim Santa Rosália.
A finalidade era desapropriar o próprio municipal para adquiri-lo e transformá-lo na sede da Secretaria da Educação.
A transação do prédio — que, evidentemente, já é público –, cujo valor estimado girava em torno de R$ 10 milhões, somente não foi concretizada porque o decreto foi suspenso pela Câmara de Vereadores na sessão extraordinária realizada em 21 de dezembro.
A despeito da motivação, a carência de planejamento em qualquer esfera de governo é uma perniciosidade à qual a sociedade não pode se dar ao luxo de continuar alimentando.
Trata-se de uma deformidade que precisa ser combatida imediatamente e com todas as armas ao alcance do Estado Democrático de Direito.
Que tal começar esse processo aqui mesmo em Sorocaba por meio de uma solução para o caso dos livros que elimine qualquer possibilidade de prejuízo aos cidadãos?
O post Senhores políticos, chega de improvisar apareceu primeiro em Jornal Cruzeiro do Sul.