Mercadões são famosos no mundo todo. O Mercado Municipal de Sorocaba foi inaugurado em 1938, em linhas art-déco, estilo bastante moderno à época. O prédio substituiu o antigo mercado que havia no mesmo local e já não comportava o volume de mercadorias. Nessa época, o mercado era o principal centro comercial de Sorocaba e região. A sua construção foi iniciada no governo do prefeito Alcino Oliveira Rosa e concluída na administração de seu sucessor, Augusto César do Nascimento. Custou aproximadamente 600 contos de réis e, atualmente, abriga intenso comércio de produtos alimentícios, acessórios em geral e artesanato entre outros produtos.
O prédio do mercado é grande, soberbo e suntuoso, sendo considerado na época como um dos mais belos do interior do Estado, para o fim que foi construído. A entrevistada da coluna presença de hoje chegou ao Mercado Municipal em 1953, quando ele estava comemorando 15 anos de fundação. Com apenas oito anos de idade, a menina e seus outros oito irmãos, junto com seus pais, começou a trabalhar em uma banca de frutas no local. A pequena Tereza cresceu, fez sua vida dentro do “mercadão”, estudou, casou-se e criou os seus sete filhos sempre trabalhando no mesmo local.
Conhecida por todos os frequentadores do espaço, Tereza Henna viveu, nos últimos 68 anos, a história do local como ninguém. Casada com Joko Henna desde 1961 é proprietária, junto com ele, da Mercearia King, que funciona desde 1962 no local, Tereza Henna é a nossa personagem da semana.
Onde você nasceu? Como foi sua infância?
Eu nasci na cidade de Marília, em 1945, em uma família com nove irmãos. Meus pais vieram do Japão e começaram trabalhar em lavoura de algodão. Lembro que vivi em Marília até mais ou menos meus cinco anos. Daí, acabo não lembrando muita coisa da época que estava por lá. Mas lembro que viemos para Sorocaba quando meus pais conseguiram juntar dinheiro com uma grande colheita de algodão que tivemos. Lembro que minha mãe derreteu toda a banha do porco que nós criávamos e colocou em latas junto com alguns pedaços de carne de animais que tínhamos no sitio.
E quando vocês chegaram em Sorocaba, como foi a vida?
Minha família se instalou na Vila Amélia, na rua Santa Cruz com rua Leopoldo Machado. Meu pai começou a trabalhar, até que comprou uma banca de frutas no Mercado Municipal — eu tinha uns oito anos máximo. Eu estudei no Visconde de Porto Seguro e na OSE e, no período que não estava na escola, ia ajudar meus pais na banca lá no mercado. Lembro que chegava em casa, tirava o uniforme, fazia as tarefas que a professora mandava e ia para o mercado.
Qual sua primeira lembrança do Mercado Municipal?
Antigamente o Mercado Municipal era um movimento tremendo, vinham pessoas de toda a região buscar os melhores produtos, a melhor freguesia estava no mercado, que sempre vendeu o que há de melhor. Lembro dos carros e das charretes estacionadas na porta, esperando para serem carregadas, das mulheres que vinham sempre bem arrumadas fazer as compras. Quando meus pais começaram lá, não tinha supermercado como vemos hoje. Então, as compras eram feitas no mercado. O ato de ir fazer compras, para muitas famílias, era um “acontecimento”, pois vinham de muito longe para poder comprar o melhor.
Como você conheceu o seu marido, o Joko Henna?
Nós éramos crianças e ele morava no Além Linha. Os pais dele tinham o bazar King, ele tem uma irmã que tem minha idade e éramos amigas, daí acabamos nos conhecendo. Ele frequentava o mercado, lembro que ele passava toda hora e ficava sorrindo pra mim. Daí engatamos um namoro que acabou virando casamento. Casei com o Joko no dia 2 de junho de 1961, em uma cerimônia linda na Catedral. Guardo com carinho meu álbum de casamento e as lembranças deste dia. Lembro que fizemos uma festa linda no clube japonês. Tivemos sete filhos, sendo cinco meninas e dois meninos, todos estudados e já encaminhados.
Como foi a vida desta família, criando sete filhos e ainda trabalhando no mercado?
Foi muito boa e divertida. A vida toda morei no centro, próximo ao mercado, meus filhos todos estudaram no Objetivo, daí os amiguinhos deles vinham em casa sempre para almoçar. Às vezes as crianças tinham atividade no colégio à tarde, daí eles ficavam lá fazendo hora. Meu filho Fernando é músico e sempre gostou de bateria. Os amiguinhos dele que tocavam outros instrumentos vinham em casa para fazer os ensaios. Lembro, inclusive, do prefeito Rodrigo Manga vindo em casa, pequeno, para brincar com meus filhos. Nas horas vagas meus filhos também me ajudavam no mercado, eles cresceram correndo pelos corredores, junto com os filhos dos outros comerciantes. Era uma época muito gostosa.
O fato de ter tido sete filhos despertou o desejo de ser professora?
Sim. Fiz magistério e me formei em 1975, meu sonho era montar uma escola, mas daí fiquei com medo de sair do mercado e me aventurar em algo novo. Sempre gostei de crianças, mas, de certa forma, meio que tive a minha escola cuidando dos meus sete filhos.
O que mais te marcou no mercadão?
O armazém da Paca, da família Alquezar, marcou uma época, eles foram grandes comerciantes. O Zé Franco sempre foi o grande cartão postal do mercado, por toda a tradição das suas ervas, do fumo, do sertanejo. De certa forma, ele se tornou uma figura folclórica na cidade. Lembro do Salomão Pavlovsky com seu sistema de auto falantes ali no mercado, foi o embrião da rádio Vanguarda. O mercado sempre fez parte do cotidiano das pessoas, não existe um sorocabano que não tenha vindo pelo menos uma vez ao mercado. São tantas lembranças, tantos fregueses, tantos amigos e tantas conversas que já tive lá… O mercadão é minha segunda casa.
Quais são suas saudades?
Tenho saudade da minha família, da minha vida de criança, dos meus irmãos que já faleceram. Como toda mãe, tenho saudade da época que meus filhos eram pequenos e eu os levava assistir os desfiles que haviam na cidade, de aniversário e 7 de Setembro. Ultimamente, tenho saudades de poder sair passear, viajar e dançar. Estou rezando para a pandemia passar logo e podermos voltar à nossa vida.
Você procura preservar as tradições japonesas?
Sim, adoro frequentar o clube japonês, estive em 2019 no Japão, sou católica mas tenho um altar em casa para meus antepassados. Adoro a culinária japonesa e seus costumes, na minha festa de 50 anos de casada eu fiz questão de levar, tanto na decoração, na gastronomia e na dança, um pouco do meu Japão. Japonês é um povo alegre, trabalhador e organizado, somos um povo muito grato pelo Brasil ter nos acolhido e termos ajudado este País a crescer.
Como está sendo o período de isolamento social para você?
Horrível, eu e Joko gostamos de sair, de passear, de viajar. Adoramos nos reunir com amigos, tomar um bom vinho e, principalmente dançar, estou com saudade dos eventos sociais. Gostamos tanto dos jantares dançantes que são promovidos pelo Ipanema Clube e pelas entidades assistenciais da cidade. Infelizmente não está tendo nada, mas cremos que logo vai voltar ao normal.
Quais suas lembranças do clube japonês?
Muitas coisas boas, sempre gostamos de dançar, o clube tinha os bailes de sonata, eram um discos enormes de vinil, adorávamos dançar as músicas do Nat King Cole. As festas do Bonenkai, o festival do Yamayaki, o Tooro Nagashi, eram tantas coisas boas. As famílias sempre unidas e todos muito gentis.
E não pensa em se aposentar do mercado?
Nunca pensei em parar. Nossos filhos seguiram outros caminhos, o mercado é “minha praia”, conheço todo mundo, amo o que eu faço. Quero estar trabalhando até quando Deus me permitir, amo poder atender meus fregueses. Já fizemos tantas coisas pelo mercado, já briguei tanto pelo mercado, já vi tanta coisa acontecer, não consigo me ver longe de lá. O mercado é do povo e eu amo estar com eles, tudo o que compramos no mercado dura mais, a fruta é mais gostosa, a verdura é mais gostosa. Se pude fazer meus filhos estudarem, foi graças ao meu trabalho no mercado, sou muito grata a este lugar. O novo prefeito tem que dar um olhar melhor para o centro, o mercado já passou por grandes revitalizações e reformas e agora precisamos de uma revitalização no exterior. Temos que ter um maior policiamento e também precisamos deixar ali sempre bonito, limpo e arrumado. O mercado é um ponto turístico e um dos cartões postais da nossa cidade e eu quero lutar e estar nele até o fim da minha vida.
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