As redes sociais e o cancelamento

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Em tempos de redes sociais — ou seriam redes antissociais? — e de vida digital ilimitada, uma das práticas mais corriqueiras e nocivas tem sido o “cancelamento”.

Primeiramente, não saber o que isso significa não é problema algum, pelo contrário. Não estar por dentro do termo pode significar uma vida mais saudável, sobretudo do ponto de vista emocional e psicológico.

E para quem não sabe, aqui vai a explicação: cancelar alguém significa “excluir” determinada pessoa, normalmente uma celebridade, influenciador ou personalidade pública, por conta de comentários ou atitudes inapropriadas.

Essa exclusão representa uma espécie de “punição virtual”: deixar de seguir tal pessoa, deixar de compartilhar seus conteúdos, criticar sua postura ou opiniões.

Algumas vezes o cancelamento é temporário, outras vezes a pessoa cancelada precisa se retratar de determinado assunto ou até mesmo mudar suas atitudes, pelo menos exteriormente, para ser aceita novamente.

E o cancelamento pode se estender para o mundo real, claro, deixando de consumir produtos e serviços daquela pessoa ou de empresas parceiras e patrocinadores.

Se o cancelamento já era um comportamento discutível do ponto de vista social, ele tomou dimensões inimagináveis quando acrescentamos o ambiente político-partidário.

Trata-se na prática de uma mobilização que nasce e acontece sobretudo no mundo digital, e não nas ruas e espaços públicos. E que forma trincheiras frágeis, mas poderosas. Não visa uma reconstrução, mas sim uma chamada para a paralisação, no caso o cancelamento.

Tal prática tornou-se tão comum que acabou formando a “cultura do cancelamento”. O termo, inclusive, foi eleito em 2019 pelo Dicionário Macquarie, que anualmente seleciona as palavras e expressões que mais caracterizam o comportamento humano.

A cultura do cancelamento envolve uma iniciativa de interrupção do apoio a determinada pessoa, empresa ou produto, devido à demonstração de algum tipo de postura considerada inaceitável. Normalmente, as atitudes que geram tal onda são do ponto de vista ideológico ou comportamental.

Nas palavras do Dicionário Macquarie, é “um termo que captura um aspecto importante do estilo de vida. Uma atitude tão persuasiva que ganhou seu próprio nome e se tornou, para o bem ou para o mal, uma força poderosa”. E haja mal. Afinal, o ponto central é: quem decide o que é inapropriado ou não? Qual a fronteira entre liberdade de opinião e inadequação? Quem é o juiz disso?

A existência disso na sociedade — de forma geral e deixando de lado o fato de que cada país, região ou continente possui sua cultura — causa uma situação ambígua.

Muito poder de opinião concentrado, porém feito em um mundo virtual. Se por um lado parte disso reverbera e repercute nas ruas e na vida real, há uma parte que pode não corresponder ao mundo real. Nesse caso o cancelamento pode ficar restrito a uma bolha virtual.

Mobilizações sociais sobre o que é bom ou ruim podem e devem acontecer. A questão é quem decide o que é bom ou ruim. Senão, o resultado pode ser censura, perseguição e gente sendo calada por opiniões diversas.

Assim, o que poderia ser fortalecimento de boas condutas, educação e formas de comportamento mais inclusivos podem, infelizmente, se transformar em desentendimentos, segregação e censura, entre outras coisas.

É preciso também diferenciar sobre o que são lutas a favor de causas importantes, que valem a pena e fazem as pessoas mudarem seus comportamentos, do que é um abuso de censura e perseguição. Quais são os limites de um cancelamento? Na prática, o que temos muitas vezes é um linchamento virtual em plataformas como Twitter, Facebook e Instagram.

O último grande exemplo de cancelamento no Brasil foi visto na noite de anteontem (23) . Com uma rejeição recorde de 99,17%, a cantora Karol Koncá foi eliminada do famigerado Big Brother Brasil após ter sido totalmente cancelada nas últimas semanas. Por conta de atitudes racistas e desprezíveis, a ex-militante de diversas causas escancarou para o País que muitas vezes os militantes estão mais equivocados do que seus críticos.

A eliminação dela mobilizou gente nos quatro cantos do País (e do planeta), de Neymar ao garçom do bar. Pessoas festejaram nas sacadas. Até na Itália repercutiu.

Enfim, independentemente da situação, a melhor atitude nas redes sociais talvez seja a antiga regra: use com moderação!

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