A exigência de vacinação contra a Covid-19 vem sendo cogitada mundo afora por destinos e companhias de cruzeiros. Um passe de viagem da Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata) começa a ser testado neste mês pela Singapore Airlines. Na Organização Mundial da Saúde (OMS), um grupo foi montado para definir padrões para um certificado digital de vacinação. A criação de um passaporte de vacina, então, parece ser o caminho natural nas viagens internacionais. Mas, na opinião de especialistas em turismo e saúde do viajante consultados pela reportagem, é cedo para se pensar na medida como obrigatoriedade global.
A ideia de um passaporte de vacina e sua eficácia para restabelecer as viagens tem hoje alguns entraves: questões éticas sobre privilegiar quem foi vacinado, levantadas pela própria OMS, quando a maior parte do mundo aguarda a imunização, processo bem atrasado no Brasil; a privacidade dos dados dos viajantes; e até aspectos científicos, pois não está claro por quanto tempo as diversas vacinas contra a Covid protegem a pessoa imunizada e quem está ao redor de pegar o coronavírus.
“A intenção é permitir que as pessoas possam voltar a voar. No App, os passageiros poderão saber se o país tal exige PCR ou antígeno”, explica Filipe dos Reis, diretor de Aeroportos, Passageiros, Cargas e Segurança da Iata nas Américas. Muitos governos estão implementando, com o apoio da associação, esquemas de teste para facilitar as viagens — exigem que sejam realizados de 48 a 72 horas antes do embarque.
A Iata, que representa cerca de 290 empresas responsáveis por 82% do tráfego aéreo global, desenvolveu o Iata Travel Pass, aplicativo para os passageiros incluírem dados de saúde e agilizarem a entrada nos destinos. “Chegar à vacina é o objetivo final. Os países são soberanos e decidem o que exigir. Está um pouco cedo, mas a tendência é que a gente vá nesse caminho. Mas não achamos que serão todos os países.”
Como o processo de vacinação está em diferentes estágios de um país para outro, Reis estima que os dados do aplicativo irão incluir teste e vacinação por um período superior a um ano. No entanto, o Iata Travel Pass poderia eliminar as exigências de períodos de isolamento na chegada aos destinos, explica o diretor da associação. “As situações de quarentena, muito mais do que os testes, hoje em dia são o maior impedimento para as viagens.”
O médico Jessé Reis Alves, do Ambulatório de Medicina do Viajante do Hospital Emílio Ribas, pondera que a solução depende de respostas por vir. “Acho difícil que, de uma maneira muito rápida, a vacinação elimine a necessidade de quarentena. Exatamente porque a gente não sabe qual é a efetividade de cada vacina impedir uma infecção. Elas podem ser efetivas no que diz respeito ao não adoecimento, mas o indivíduo pode ser um carregador do vírus”, explica o infectologista.
Embora existam ainda muitas incertezas, Alves imagina que a imunização será exigida no futuro. “Não sei como vão organizar isso porque a gente vai ter muitas vacinas surgindo, mas acredito que ela vai fazer parte do nosso cartãozinho amarelo ou algo mais tecnológico”, referindo-se ao documento que comprova a imunização contra a febre amarela. “Hoje é a única doença com certificado internacional de vacinação pedido em vários países.”
Maura Leão, presidente da Associação Brasileira de Agências de Intercâmbio (Belta), também acredita que a exigência de vacina contra a Covid-19 possa vir a ser uma realidade. “Com a febre amarela, a gente já tem isso incutido na hora de organizar uma viagem para a África do Sul, por exemplo. E alguns programas de intercâmbio exigem a carteirinha de vacinação completa”, diz.
Complemento
Em outros segmentos do turismo, empresas já anunciaram que vão exigir a vacina contra a Covid, caso da Crystal Cruises e da Victory Cruise Lines, ambas de navegação. “É cedo para avaliar se a vacinação será obrigatória nos cruzeiros. Estamos acompanhando o que vem sendo feito no mundo. Isso nos dará uma boa perspectiva sobre as melhores conduções no Brasil”, diz Marco Ferraz, presidente da Associação Brasileira de Navios de Cruzeiros (Clia Brasil).
Ele e Roberto Haro Nedelciu, presidente da Associação Brasileira das Operadoras de Turismo (Braztoa), veem a imunização mais como complemento aos protocolos do setor. “A gente vai mudar os hábitos como ocorreu após o 11 de Setembro”, diz Nedelciu. “Alguns países, como a Croácia e a Grécia, começaram a falar em exigir a vacina; cruzeiros, também. Mas a gente não deve abrir mão da segurança sanitária.”
Para Magda Nassar, presidente da Associação Brasileira das Agências de Viagens (Abav), é urgente que o viajante seja responsável. “A indústria do turismo mundialmente se preparou com protocolos. A gente tem de aprender a seguir e, infelizmente, tem uma parcela grande que não segue”, diz. “Hoje, com PCR e protocolos, a gente já tem um caminho. A vacina não é o único, mas obviamente é o ideal. A gente precisa dela para voltar a viver na sua plenitude, mas não é uma solução atrelada só a viagens.” (Nathalia Molina – Estadão Conteúdo)
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