A série documental Em Nome dos Pais, do jornalista brasiliense Matheus Leitão, foi selecionada para concorrer ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, considerado o “Oscar nacional”, na categoria Melhor Documentário de TV. O filme é baseado no best seller homônimo, lançado em 2017, no qual Matheus narra sua viagem pelo país em busca dos algozes de seus pais, os também jornalistas Miriam Leitão e Marcelo Netto, na ditadura militar.
“Feliz com a indicação. Não porque é um trabalho meu, mas porque a gente precisa falar sobre o tema”, comemorou o jornalista, em entrevista ao Metrópoles.
Tanto no livro quanto no documentário, Matheus é o personagem principal da trama real. Pesquisando em documentos e entrevistando personagens da época, ele consegue descobrir o paradeiro do delator de seus pais, Foedes dos Santos, que era o mais importante líder do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) no Espírito Santo e que, depois de preso, entregou os aliados para a repressão.
Ao longo dos episódios, exibidos em 2020 pela HBO, ele mostra como chegou aos nomes de três torturadores, nunca antes reconhecidos pelo Estado Brasileiro, e colhe depoimentos dos próprios pais, que dão detalhes sobre a tortura que sofreram e contam como se reergueram na vida.
“Foram muitos anos de pesquisa. Tive acesso a documentos públicos com muita dificuldade porque, até hoje, o exército nega as informações para as famílias das vítimas. Ainda assim, consegui encontrar caminhos por meio de fontes, das próprias Forças Armadas, pessoas que me ajudaram sigilosamente. Também entrei no quartel onde meus pais foram presos e torturados de forma clandestina”, detalha Matheus.
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Apesar de ter conhecido o passado de repressão e tortura que tomou conta do Brasil entre os anos 1964 e 1985, muito antes de se tornar jornalista e de ter produzido inúmeras reportagens investigativas sobre o tema, Matheus conta que demorou a entender que era a melhor pessoa para resgatar a história da própria família.
“Sempre quis contá-la. Mas, como profissional, eu me sentia impedido de fazer isso pelo envolvimento emocional. Fui estudar nos Estados Unidos e aprendi um novo conceito, o self-journalism, e descobri que o envolvimento pessoal, na verdade, podia enriquecer a história. Foi uma porta que eu atravessei para poder escrever o livro e fazer o documentário”, diz.
A série também explora depoimentos de personalidades como o ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot; do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso; e do presidente da República, Jair Bolsonaro, que, na época das filmagens, ainda atuava como deputado federal.
Para o jornalista, o conjunto de pesquisas e entrevistas ajuda a compreender o que de fato ocorreu na ditadura e porque o país que ainda reluta em acertar as contas com um passado tão obscuro.
“É muito importante falar desse tema, especialmente depois de 2018, quando um presidente venceu a eleição defendendo as atrocidades do regime“, ressalta. “É preciso deixar claro que os quarteis foram construídos para defender as pessoas e não para torturar, matar, ocultar cadáveres. Nós vivemos uma ditadura sanguinária no Brasil e há um grupo de pessoas, impulsionadas pelo presidente, que defende a volta desse sistema”, emenda.
A premiação do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro será em junho, ainda sem data definida. Enquanto o resultado não chega, Matheus revela que já tem outro projeto em andamento. “Estou escrevendo um segundo livro para a Companhia das Letras, chamado Os Infiltrados, com um outro olhar do regime militar. E penso, sim, em fazer algum trabalho audiovisual com ele. Não sabemos em que formato será, mas já estamos trabalhando na coleta de material”, conclui o jornalista.
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