O encerramento das atividades do Feitiço Mineiro em fevereiro, após mais de 32 anos em funcionamento, deixou produtores culturais, artistas e frequentadores desolados. Contudo, três meses após o anúncio que entristeceu a cena local, uma boa notícia: o espaço que abrigou o restaurante e casa de show está prestes a renascer, sob nova direção e a marca Feitiço das Artes.
A iniciativa é de três moradores do DF, ligados afetivamente ao local: Jerson Alvim, 79 anos, diretor artístico do Feitiço por 14 anos; Joel de Oliveira, 76, responsável pelo projeto Música e Poesia Para Todos, que integrava a programação da antiga casa; e Alexandre Oliveira, 50, frequentador há pelo menos uma década. Inconformados com o fechamento de mais um espaço cultural importante da capital, eles se uniram para preservar o legado de Jorge Ferreira, e alugaram o icônico imóvel, com todo o mobiliário e acervo junto.
“Me senti na obrigação de procurar meios para que essa atividade não fosse encerrada, porque é uma história linda, 30 anos marcando a cultura da capital”, conta Jerson, responsável por fazer a ponte entre os outros dois sócios. “Eu e o Joel estávamos buscando soluções para manter a ideia do Feitiço, desse casamento de culinária mineira e música, até que o Alexandre, um cliente apaixonado pela casa, chegou até mim e se interessou. Foi assim que conseguimos transformar nossa intenção em realidade”, resume o produtor cultural.
Nos quase 30 anos de existência do bar e restaurante da 306 Norte, os shows sempre foram referência para os que buscam música de qualidade em Brasília. Foi no local que Baden Powell fez uma rara apresentação na capital, um dos últimos da carreira; que Guinga, Jards Macalé, Zé Renato e Moacyr Luz lançaram o CD Dobrando a Carioca; e que Dhi Ribeiro firmou contrato com a Universal Music, entre tantas outras histórias.
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Toda essa memória cultural está registrada nas paredes e paineis espalhados pelo endereço, que permanecerão no Feitiço das Artes, graças a um acordo firmado por Jerson com os antigos proprietários. Carioca radicado em Brasília há 40 anos, Joel Oliveira reforça que, apesar das referências óbvias ao Feitiço, o objetivo não é reabrir a casa e, sim, impedir que a história e a aura do local se percam.
“Onde você vai ver uma casa, em estilo colonial, com identidade de fazenda, cravada no coração da capital? É uma expressão cultural rara. Fora toda a história que o endereço carrega. Não faria nenhum sentido construirmos um outro estabelecimento. Quem respira arte tem respeito pela arte, sabe reconhecer a cultura de um povo”, justifica Joel
Joel Oliveira, sócio do Feitiço das Artes
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Planos para a reabertura
Após passar por pequenas reformas, o Feitiço das Artes deve abrir suas portas em cerca de 15 dias, segundo os sócios, com pelo menos 50% dos funcionários antigos. Só os que já haviam encontrado outro emprego não retornarão, pelo menos por enquanto.
Os sócios planejam seguir com a culinária mineira e ampliar a programação cultural, mas sabem que terão de enfrentar os efeitos da pandemia de Covid-19 por mais algum tempo. Até lá, a agenda cultural vai seguir os protocolos recomendados pelos órgãos de saúde. Projetos híbridos também estão previstos. “Pensamos em promover shows com número de ingressos reduzidos, para quem for assistir presencialmente, e transmiti-los também por live”, adianta Jerson.
Ele conta que assim que os rumores sobre a abertura do espaço se espalhou, vários artistas entraram em contato para parabenizá-los e, claro, demonstrar interesse em se apresentar no local. “A comunidade artística está bastante comovida e feliz com a continuação dessa história. Recebi centenas de mensagens, umas 300, de pessoas querendo saber como isso aconteceu, quando iríamos abrir as portas, comemorando mesmo.”
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Palco disputado
Uma das artistas que vibraram com a novidade foi a cantora Lúcia Maria, que representou a cidade no The Voice +, edição do reality musical voltada para artistas com mais de 60 anos. Com várias memórias no Feitiço Mineiro, a brasiliense revela que está ansiosa para voltar ao palco já conhecido mas, agora, como um novo empreendimento. “Tem sido tão difícil para os artistas locais… Essa iniciativa deu ânimo para a gente, que se apresenta na casa há muitos anos. Aquele espaço, na 306 Norte, é um patrimônio da nossa cidade”, comemora.
Na opinião da cantora de MPB Alessandra Terribili, a preservação da casa tem um sentido ainda mais importante no contexto atual, em que a cena cultural adquiriu um caráter vital para as pessoas e resiste a uma série de tentativas de desmonte. “Quando o Feitiço fechou, foi uma tristeza e comoção geral. Artistas e públicos se sentiram um pouco órfãos, porque era realmente um lugar único. Mas com a iniciativa do Jerson e seus parceiros, a abertura do Feitiço das Artes nos enche de esperança de recuperar essa história, reivindicar o legado do Jorge e seguir em frente na bonita missão de levar música de qualidade e alegria para o público”, afirma.
Joel compartilha a mesma ideologia. “Com a nossa pequenez, estamos fazendo nosso enfrentamento a esse governo que abomina cultura”, diz.
O Música e Poesia Para Todos, idealizado por ele, deve continuar contribuindo com esse objetivo, na programação fixa da casa. “Foi o projeto que me aproximou do Feitiço e era um sucesso”, conta. O objetivo da iniciativa é dar espaço a pessoas que, por algum motivo, tenham insegurança de cantar. “Já teve noites que vinham pessoas de mais de 80 anos, que começaram a se apresentar com a voz trêmula e no final me agradeceram ‘pelo bem que o projeto faz’. É algo que não tem preço”, diz Joel.
Expectativas altas
Segundo Alexandre, o último a entrar na sociedade, o Feitiço das Artes vai “trazer a alegria e a cultura para o local novamente”. “Queremos trazer de volta um dos locais mais tradicionais e charmosos de Brasília, onde o Jorge Ferreira, sua família e seus colaboradores nos proporcionaram tantas alegrias e deleites”, afirma.
Apesar da crise de saúde ter fechado várias casas de show pela cidade, as expectativas são altas. “O Feitiço das Artes vai herdar toda a clientela do Feitiço Mineiro, porque são pessoas que gostam muito daquele espaço e de suas tradições. E tenho certeza que faremos outros tantos clientes, porque iremos nos empenhar muito pra isso”, conclui.
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