Após diversos relatos revelados pelo Metrópoles sobre assédios sexuais cometidos pelo médico cardiologista Nabil Ghorayeb, um dos mais conceituados na medicina esportiva do país, o Hospital do Coração (HCor) de São Paulo decidiu afastá-lo do cargo.
Os atos foram denunciados por três pacientes ao Ministério Público Estadual e estão sendo investigadas pela Polícia Civil. “O HCor e o médico Nabil Ghorayeb definiram, de forma conjunta, formalizar o seu afastamento temporário das atividades no hospital até a apuração dos fatos. Conforme noticiado, as denúncias — que não ocorreram nas dependências do HCor — já estão sendo devidamente apuradas pelas autoridades competentes. Não há na ouvidoria do hospital manifestações referentes a assédio praticados pelo médico na instituição”, disse o hospital.
Em defesa, o médico afirmou à revista Veja que “são inverídicas, infundadas e descabidas as acusações a ele atribuídas” e que “não consegue entender a motivação de acusações caluniosas e difamatórias, sem apresentar nenhuma prova”. Ghorayeb garantiu que medidas judiciais serão adotadas “contra irresponsáveis declarações”.
MPF
Diante das acusações, na última terça-feira (25/5), o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) disponibilizou um e-mail para receber novas acusações contra o cardiologista Nabil Ghorayeb. As vítimas poderão entrar em contato a partir do [email protected].
As vítimas que encaminharem denúncias ao endereço terão o anonimato garantido pelos procuradores. Já o material recebido será processado e analisado pelo Núcleo de Gênero do Centro de Apoio Operacional Criminal (CAOCrim). O grupo é o mesmo que atuou no atendimento às vítimas do médium João de Deus e do nutrólogo Abib Maldaun Neto.
Relatos
A empresária Adriana R. C., de 42 anos, e a administradora de empresas Bárbara Leite, de 40, contaram com exclusividade ao Metrópoles situações de constrangimentos que sofreram durante consultas com o médico, que atende em São Paulo.
No caso de Adriana, Ghorayeb teria chegado a colocar a mão em sua vagina e feito com que ela apalpasse seu pênis, alegando que ela tinha cara de quem “gostava de chupar”, segundo relatos da vítima. O caso é investigado pela Polícia Civil de São Paulo como importunação sexual.
Adriana marcou uma consulta com Ghorayeb em 11 de janeiro deste ano, após um infarto que sua mãe sofreu, e pagou R$ 850 pelo atendimento. No consultório, porém, foi surpreendida com comentários invasivos por parte do médico, que chegou a pedir para que ela retirasse a máscara facial, porque desta forma ele poderia “ver melhor a sua beleza”.
“Entrei na sala e a porta foi fechada, ele de um lado [da mesa] e eu do outro. A primeira coisa que ele falou: ‘Nossa, como você é bonita’. Eu agradeci, e ele questionou se eu praticava esportes, pois eu tenho um corpo bonito. Neste momento, eu me toquei que tinha que gravar. Ele pediu para eu tirar a máscara para ele me ver melhor, e tudo isso de porta fechada”, relatou a empresária.
“Ele ficou me dando essas cantadas, então pedi para ligar para minha mãe, e, quando peguei meu celular ele veio até o meu lado. Eu liguei para a minha mãe, ele ficou menos de um minuto [ao telefone], e disse que ficaria tudo bem com ela. Quando desliguei o celular, ele começou a passar a mão na minha perna, então eu me levantei. Fui para trás, até onde tinha uma maca, e ele vindo para cima de mim. Em um momento, ele pegou a minha mão e colocou na calça dele, depois ele colocou a mão dele em cima do meu vestido por cima da minha vagina”, prosseguiu.
A empresária afirmou que gravou toda a situação em seu celular. Ela, porém, teria sido roubada três dias após a consulta, em 14 de janeiro, no Hospital Ipiranga, onde a mãe, Teresinha Pereira da Rocha, estava internada. Neste momento, apagou os dados do celular por medo de que alguém tivesse acesso à sua conta bancária, e, consequentemente, perdeu as imagens.
Adriana tentou recuperar a filmagem contratando uma empresa particular, e entregou o aparelho de telefone, recuperado pouco depois do roubo, à polícia para que fosse enviado à perícia. Em boletim de ocorrência registrado no dia 28 de janeiro, na 2ª Delegacia de Defesa da Mulher, em São Paulo, a empresária disse que ficou com medo de tomar atitudes quanto ao caso por temer o que o médico faria com seus dados e os da sua mãe, divulgados por ela no momento da consulta.
“A vítima ficou pensando na genitora que poderia ter sua situação agravada pelo autor, na quantidade de informações que ele possuía dela e somente quando a genitora teve alta se encaminhou para esta Especializada para registrar o ocorrido”, disse um trecho do boletim, ao qual o Metrópoles teve acesso.
BO Adriana Ocultado by Metropoles
Declarações Adriana_Ocultado by Metropoles
Quanto ao valor pago pela consulta, Adriana afirmou que recebeu o estorno por parte de Ghorayeb e mais R$ 50, referente ao preço do táxi que ela pagou para se locomover ao consultório: “Eu esperei minha mãe sair do hospital, liguei para a Denise [secretária] e pedi para o Nabil me ligar, disse que precisava falar com ele diretamente. Quando ele me ligou, questionou como a minha mãe estava, eu disse que não interessava e pedi o dinheiro de volta. Pedi o dinheiro do táxi e ele me devolveu R$ 900. Nessa ligação eu falei para ele que gravei tudo [o assédio]”.
Outro relato
A situação de Bárbara Leite remete às alegações de Adriana. A administradora procurou Nabil Ghorayeb após seu pai, que já era paciente do médico desde 2008, ser diagnosticado com um linfoma, em 2017. As situações constrangedoras, segundo ela, começaram em uma consulta na qual foi acompanhada do pai e da mãe.
“Fui na primeira consulta com meu pai e minha mãe, e quando eu chego lá ele olha pra mim e fala: ‘Nossa, você nunca me disse que tinha uma filha tão bonita’. Repetiu isso até na hora de ir embora. Não considerei assédio, considerei uma maneira de tentar ser gentil. Tinha que fazer acompanhamentos, e eu passava os exames [para Nabil] via WhatsApp. Com meu pai debilitado eu fui sozinha ao consultório, buscar a receita de um remédio. Quando eu cheguei, ele me deu um beijo e um abraço constrangedor, pegou minha mão, me rodou, e disse: ‘Nossa, deixa eu ver tudo isso’”, relembra a administradora.
“Nessa hora eu vi que estava sofrendo assédio, mas aí eu ponderava tudo, ele tinha o histórico [médico] do meu pai. Então fechei a cara e dei um jeito de sair do consultório. Disse aos meus pais que não voltaria mais lá, porque tinha sido assediada”, conta.
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Polícia Civil de São Paulo
A amiga da mãe de Bárbara, porém, se negou a prestar queixa do médico. Ela foi até as redes sociais para tentar encontrar outras vítimas, chegando a Adriana. Na ocasião, Adriana já havia registrado boletim de ocorrência contra o doutor, e ambas se uniram para evitar que outras mulheres passem pela mesma situação.
“Achei uma outra vítima em julho do passado. Ela falava sobre o assédio que tinha sofrido do Nabil, e aí eu percebo que tive sorte dentro do consultório, porque ele tentou agarrá-la. Ele tentou beijar a amiga da minha mãe dentro do consultório, agarrá-la à força. Até que achei a Adriana, que já tinha iniciado o boletim de ocorrência por assédio sexual, e fui na mesma delegacia, pedi para falar no mesmo inquérito. Nós fomos ao Cremesp, demos depoimento ao MP e conseguimos trazer essa outra vítima para o depoimento”, explica.
O Ministério Público de São Paulo afirmou, em e-mail enviado à equipe de advogadas de Adriana e Bárbara no último dia 4, “que a Notícia do Fato evoluiu para requisição de instauração de inquérito policial e será encaminhado ao Distrito Policial competente”.
De acordo com a advogada Mariana Serrano, do escritório Claro & Serrano, que cuida do caso das vítimas de assédio sexual, pro bono (gratuitamente), a mensagem considera que o MP encontrou “elementos suficientes para abertura de inquérito”. Ela, porém, garante que ainda não conseguiu acesso aos documentos.
“O MP colheu as denúncias, ouviu as pessoas próximas. Tem uma terceira vítima, que a filha dela acompanhou a consulta médica e viu como ela saiu atônita. E pelas oitivas terem elementos parecidos e a filha para corroborar, a procuradora Gabriela Mansur entregou para a delegacia onde tinham sido feitos os BOs e encaminharam um pedido de abertura de investigação para ver se, através disso, a gente acha mais elementos”, pondera.
A Polícia Civil informou, em nota enviada ao Metrópoles, que o caso é “investigado por meio de inquérito policial pela 2ª DDM, como crime de importunação sexual. As partes foram ouvidas e a autoridade policial aguarda o resultado de um exame pericial, que está em andamento”. A investigação segue em sigilo.
Contraponto
Em 15 de fevereiro, um dia após Adriana divulgar em um blog americano o assédio que sofreu por parte do médico, Nabil Ghorayeb foi até a 2ª DMM, de forma espontânea, para prestar depoimento. No documento, o doutor alega que a vítima “estaria desqualificando-o como médico e acusando-o de ter praticado assédio sexual contra ela. Fatos que, de antemão, o declarante nega veementemente”.
Nabil relata que recebeu uma mensagem de Adriana pelo Facebook em 3 de janeiro, na qual a mesma o saudou em árabe. Adriana alega que confiou no médico por conta de sua nacionalidade, a mesma de seu marido. Segundo o médico, a empresária pediu que ele a ajudasse a transferir sua mãe para o Hospital Dante Pasanesse, também em São Paulo, para que fosse feito o cateterismo.
Em outro trecho, Nabil ainda diz que a última informação que teve de Adriana foi por meio de uma postagem nas redes sociais, onde ela o compara, segundo ele, ao médico Roger Abdelmassih, condenado a mais de 173 anos por estupro de pacientes.
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