O ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde Roberto Ferreira Dias, que se tornou um dos pivôs no escândalo de suspeita de pagamento de propina na compra da vacina Covaxin, afirmou à Polícia Federal suspeitar que foi incriminado por ter atrapalhado os interesses de outros agentes no Ministério da Saúde. No depoimento, obtido com exclusividade pelo colunista Guilherme Amado, Dias também detalha os procedimentos técnicos que levaram à celebração do contrato para a compra do imunizante indiano.
Sem dar nomes nem mais elementos que sustentem sua acusação, Dias dá a entender que um dos envolvidos no suposto esquema que ele teria contrariado seria o deputado federal Luís Miranda, do DEM do Distrito Federal, que citou Dias em depoimento à CPI da Covid-19 como um dos responsáveis por pressionar funcionários do ministério a acelerarem a compra da Covaxin. Assista ao final desse texto a íntegra do depoimento compartilhado pela PF com a CPI.
“Fui tragado para dentro desse processo diante de uma acusação sem pé nem cabeça, de uma suposta pressão vinda de um deputado, que também não sei qual relação tem com isso. Me faz sentir, me faz gerar um sentimento de que eu atrapalhei alguma coisa e que agora estaria sendo vítima de uma possível retaliação. Não sei se é isso, as investigações vão esclarecer, mas soa muito estranho que 90 ou 100 dias depois, acusações tão vazias e sem materialidade sejam colocadas num palco político, numa seara política, onde você tem pouco poder de voz”, afirmou Dias.
O delegado Victor Hugo Rodrigues Alves, da PF, que colhia o depoimento, perguntou especificamente se Dias se sentia vítima de uma vingança. “É o que parece”, respondeu o ex-diretor. Dias, então, dá a entender que o irmão do deputado Luís Miranda, o servidor do Ministério da Saúde Luís Ricardo Miranda, inventou acusações contra ele.
“Quando ele fala que não assinou uma invoice (nota fiscal ou fatura), isso não existe. Você pede para abrir licença de importação, a tarefa dele é conferir se o que está sendo faturado está de acordo com o contrato”, afirmou Dias, referindo-se ao trabalho de Luís Ricardo Miranda. “Esse suposto acinte, a afronta, que veio errado. O trabalho é esse, de conferir. [Se algo estiver errado], por favor, retorne. Eu não consigo ver essa magnitude na questão da invoice.”
À CPI da Covid-19, Luís Ricardo Miranda disse “estaria tratando de maneira errada” se tivesse assinado a primeira invoice relacionada à Covaxin. À PF, Dias afirmou que uma invoice é um documento “relativamente frágil” e que alterações são feitas de forma corriqueira nesse procedimento. “A invoice não vincula a operação. O que vincula a operação é o contrato. A proforma invoice é quase um rascunho, corrigir é a coisa mais comum que se tem quando se trabalha com importação.”
Questionado sobre ter pressionado funcionários do Ministério da Saúde para acelerarem os trâmites da Covaxin, Dias afirmou que havia perguntado em uma apresentação de Power Point como estava a licença de importação de um carregamento de imunizantes da AztraZeneca que seriam enviados ao Brasil pelo consórcio da Covax Facility. A indagação, segundo ele, foi erroneamente atribuída ao processo da Covaxin.
“No dia seguinte haveria um recebimento da AztraZeneca pelo Covax Facility e estaria presente o ministro da Saúde [Eduardo Pazuello] em Guarulhos. Esse deputado também esteve presente com as demais autoridades e o ministro das Relações Exteriores também esteve. Então a minha pergunta, às 20h46 da noite do sábado, era como estava a licença de importação da vacina que chegaria no dia seguinte, porque como teríamos autoridades presentes e seria constrangedor se houvesse algum desembaraço”, afirmou Dias.
Ordem de Élcio Franco
No depoimento à PF, Dias relatou que o processo de importação da Covaxin surgiu para ele por meio de um despacho enviado pelo então secretário-executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco, ordenando que fosse lavrado, com urgência, o ato contratual com a Bharat, no valor de US$ 300 milhões. O documento, segundo ele, dizia que a pesquisa de preço caberia à área técnica envolvida, ou seja, o Departamento de Imunizantes, e que o contrato deveria ser enviadas para a Consultoria Jurídica do ministério para parecer posterior à assinatura. Dias diz, entretanto, que submeteu o contrato à consultoria antes de o documento ser assinado.
Dias afirmou que o Departamento de Logística, que comandou até o fim de junho, quando foi demitido por ordem do Palácio do Planalto, não tinha a função de acompanhar ou fiscalizar o contrato. Negou ter mantido contato com representantes da Bharat e da Precisa durante a negociação do imunizante, mas confirmou conversas depois da contratação, após demandas das empresas.
Provavelmente em 17 de abril, seguiu Dias, a Precisa enviou um ofício a ele, com pedidos sobre o contrato. As mudanças pretendidas seriam alteração do cronograma; implantação de cláusula de sigilo; alteração na cláusula de exclusividade, para que pudesse vender não apenas ao ministério. O pleito não prosperou, de acordo com o ex-diretor, mas gerou uma ou duas reuniões com Max e Túlio, representantes das empresas e Alex Campos, diretor da Anvisa.
Dias afirmou que o processo da vacina indiana Covaxin foi “inovador”, uma vez que o ministério ainda não tinha participado de importação de vacinas. Essa via foi escolhida a pedido da empresa, segundo o ex-diretor de Logística. “A RDC (Resolução da Diretoria Colegiada da Anvisa) 476, que foi aprovada se não me engano em 10 de março, ou seja, depois da assinatura do contrato, abria uma terceira via, mais fácil, que foi a via que a empresa solicitou ao Ministério da Saúde, que fosse feita a importação. Qual é o diferencial dessa via? Essa terceira via é praticamente tutelada pelo ministério”.
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