Cem anos depois, Semana de Arte Moderna ecoa na cultura brasileira

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Há exatamente 100 anos, em 13 de fevereiro de 1922, o Theatro Municipal de São Paulo recebia um dos maiores marcos da cultura contemporânea brasileira. A Semana de Arte Moderna reuniu apresentações de dança, música, recitais de poesia, exposições de obras, pinturas, esculturas e palestras e redefiniu as bases de como o país passaria a se enxergar.

Ainda hoje, um século depois, segue-se discutido a importância daquela semana, que durou de 13 a 18 de fevereiro, e os impactos que ela causou na cultura brasileira. Isso porque os artistas envolvidos propuseram uma visão renovada da arte e buscaram uma atualização social e artística do país.

Especialistas no assunto, tanto estudiosos da arte como artistas, concordam que a Semana de Arte Moderna se faz presente até hoje nas artes plásticas, na literatura e na música, e deixou reflexos que influenciam em seus trabalhos. A advogada, colecionadora e galerista, especialista em arte contemporânea, Karla Osorio Netto acredita que a data vai muito além de um reflexo, já que os temas discutidos naquela época ainda são atuais.


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“A Semana de Arte Moderna destaca valores e ideias. Por exemplo, Macunaíma, personagem do Mário de Andrade, que era ao mesmo tempo um índio, um negro, um caboclo, que valorizava o pobre, mas consegue uma inserção através da criatividade. Esse é um tema extremamente atual, que repercute em toda a produção contemporânea. Mas não é somente um reflexo, ainda hoje se mostram atual as preocupações que foram suscitadas pelos modernistas. Essa ideia de cultura, de antropofogia, de criar algo completamente nacionalista, ainda é muito presente e contemporâneo”, explica Osório.

A artista visual Adriana Vignoli também aponta a Semana de Arte Moderna como um marco histórico e garante que a data influencia seu trabalho como artista. Ela, no entanto, comenta sobre a excludência que a data criou, citando uma “elite que domina toda a história”.

“É um marco histórico para qualquer artista. Ela influencia meu trabalho, foi o início do modernismo. Mesmo que seja uma semana que incluiu alguns personagens da história brasileira e excluiu outros, ela me influencia certamente. Não deixa de ser uma continuidade de uma elite que domina toda essa história. Por outro lado, eu acho que não dá para negar tudo que aconteceu. Há uma beleza e uma tentativa de mudança”, pontua.

O lado crítico da história

Em 1922, logo após o fim da Primeira Guerra Mundial, a Independência do Brasil completava 100 anos, e o país passava por modificações sociais, políticas e econômicas. Surgiu, então, a necessidade de fazer algo novo, de mudar as coisas. E desta forma surgiu a Semana de Arte Moderna.

O artista Christus Nóbrega, artista e professor do Instituto de Artes da Universidade de Brasília (UnB), afirmou que a importância da semana de 22 foi sendo construída ao longo das décadas. Assim como Adriana, no entanto, ele pontuou a tendência do brasileiro de entender eventos que ocorrem no eixo Rio de Janeiro e São Paulo como nacionais, “deslegitimando outras formas de moderno”:

“José Lins do Rego diz que para as bandas do nordeste essa semana nunca existiu. E não existiu de fato. Foi um evento sudestino com um caráter ‘paulistocêntrico’. É curioso como no Brasil temos o mau hábito de entender eventos do eixo Rio-São Paulo como fatos nacionais. São regionais. Porém, o poder de comunicação e legitimação institucional que eles possuem cria a ilusão de que o que ocorre lá é da ordem nacionalista. De certa forma, ao procurar uma imagem nacional global e categorizar formas de pensamento fora de seu território como regionalistas, a Semana de Arte Moderna termina por deslegitimar outras formas de moderno”.

“No atual momento político brasileiro, em um cenário onde nossos principais gestores atuam para aniquilar nossa história, cultura e artes, todas as formas de celebração e memorabilia de nossos feitos culturais são bem-vindas. Porém, é importante atentar sobre o que celebrar, transformando esse momento também em ato crítico. Para além dessa semana, quais outras ‘semanas’ aconteciam pelo Brasil há 100 anos? Quais outros artistas e pensadores dos vários cantos do Brasil não são lembrados e estudados? Há muito o que se comemorar”, completou o professor.

“A semana é o embrião para uma tentativa de mudança. Tenho várias críticas: ela foi excludente, não incluí várias vozes, é feita pela elite, mas tem o início de uma preocupação que não deve ser desmerecida”.

Adriana Vignoli

Reunião artística

Mesmo que tenha, 100 anos depois, uma revisão da dimensão da Semana de Arte Moderna como a definidora do Brasil, é inegável o legado que o movimento deixou, o que fica evidente no reconhecimento dos artistas e suas obras, conhecidas em todo o mundo. Mário de Andrade foi uma das figuras centrais e principal articulador da semana de 22. Além dele, se destacam nomes como Oswald de Andrade, Graça Aranha, Anita Malfatti e Tarsila do Amaral.

Quando questionados sobre a possibilidade de uma segunda Semana de Arte Moderna, criada nos dias atuais por artistas contemporâneos, Christus e Adriana apontam a mesma ideia: a diversidade de pensamentos e de artistas torna difícil a união em apenas um evento que possa vir a marcar a história do país.

“Nós artistas podemos recorrer mais livremente a uma infinitude de materiais, procedimentos, técnicas e percepções de mundo, sem a necessidade de serem percebidos como participes de um grupo ou movimento. Essa ideia contemporânea também está diretamente relacionada com a mudança de entendimento do que seja identidade – uma questão cara ao modernismo paulistano. Se antes a identidade era entendida como um lugar fixo e enraizado, hoje a arte contemporânea abre-se para o entendimento da identidade como algo mais fluido, múltiplo, multifacetado e em constante reconstrução. Daí a dificuldade de concentrar tantas pessoas em torno de um norte, já que o próprio norte está sendo questionado como lugar orientador”, finaliza Christus.

“Hoje o que a gente vive são múltiplas vozes individuais e particulares, que não dialogam com as outras. São vozes particulares que devem dizer aquele individual. É sobre ele e ele quem fala. É muito difícil conversar com outro. Não vejo uma atuação coletiva. Por outro lado, eu acho que é um momento que a gente incluí várias vozes. Cada um no seu atelier, mas vários artistas com múltiplas linguagens. Você tem uma diversidade muito ampla de pensamentos e de produções”, completa Vignoli.

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