Saiba como pomadas para cabelo têm causado cegueiras temporárias

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Relatos recentes de cegueira temporária, irritação e sensação de queimadura nos olhos após o uso de pomadas modeladoras para cabelo, geralmente utilizadas para fazer tranças, alertam sobre os cuidados que devem ser tomados para evitar o contato desses produtos com os olhos.

Nas últimas semanas, diversas pessoas narraram na internet, em tom de alerta e desespero, situações enfrentadas e, até então, desconhecidas após a aplicação de pomadas de diferentes marcas e fabricantes. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) decidiu abrir um dossiê para investigar.


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Lorena Fialho, de apenas 5 anos, filha caçula da estudante carioca Anna Fialho, 28, foi uma das vítimas. A menina chegou em casa no dia 13 de fevereiro com os olhos ardendo, após ir a uma festa e cair na piscina, assim como fizeram as outras crianças que estavam no local.

A diferença é que Lorena estava com pomada nas tranças do cabelo, feitas pela própria mãe horas antes, em casa. O produto, rapidamente, se diluiu na água e entrou em contato com os olhos da garota.

“Quando ela chegou, ela disse ‘mamãe, meu olho está ardendo’. Fui ver e parecia que ela estava com conjuntivite, mas não. Era muito pior. Foi desesperador”, conta a mãe.

Era um domingo. Anna levou a filha, às pressas, até a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) mais próxima. No local, utilizaram soro para lavar os olhos de Lorena e foi aplicado um medicamento. A orientação, no entanto, foi de que se a situação persistisse, ela deveria ser levada a um oftalmologista.

Vários casos no hospital

No dia seguinte, a menina acordou com os olhos, praticamente, colados. Ela não conseguia abri-los. O único hospital público com oftalmologista disponível era o Hospital Municipal Souza Aguiar, no Centro do Rio de Janeiro. Na triagem, a moça da enfermaria já sabia do que se tratava, devido à procura crescente de casos similares.

“Ela me disse: ‘se você soubesse a quantidade de gente com esse mesmo problema gerado por essas pomadas para tranças…’”, narra Anna. A mãe foi informada de que, em média, chegam 10 pessoas por dia no hospital com cegueira temporária ou ardência nos olhos ocasionada por produtos capilares.

Na sala de espera para atendimento, a situação era visível. “Havia mais três pessoas lá dentro, dois adultos e uma criança, um menino de 3 anos. Todos com o mesmo penteado e reclamando da mesma questão”, relata.

Pomadas diferentes

Anna conversou com os demais pacientes e perguntou qual o nome da pomada que eles haviam utilizado. Ela, que já foi trancista e tem na família diversas pessoas acostumadas a fazer tranças afro, ainda não havia lidado com uma situação do tipo.

“Comecei a perguntar e cada um informou uma marca diferente de pomada, ou seja, o problema não está na marca, mas na composição química utilizada para fazer esses produtos”, acredita.

Anna fez uma publicação de alerta nas redes sociais, narrando o caso de Lorena e conscientizando as pessoas. O texto e as fotos da filha com a visão comprometida foram replicados e atingiram um público grande. De imediato, ela começou a ser procurada e recebeu mensagens de gente que havia passado pela mesma situação.

A menina já está recuperada.


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“Como se fosse um punhal no olho”

A mais de 2 mil quilômetros de distância do Rio de Janeiro, em Camaragibe (PE), a pedagoga Adélia Barbosa da Silva, de 38 anos, enfrentou o mesmo problema de Lorena. Ela fez as tranças na segunda-feira (14/3) e foi a um clube no sábado (19/3), onde tomou banho de piscina.

Logo depois, os olhos começaram a ficar vermelhos e arder bastante. Em casa, ela lavou com soro fisiológico e foi dormir. “Na manhã seguinte, eu não enxergava nada, só uma nuvem branca”, descreve Adélia. O susto foi imediato e ela foi com o marido até uma unidade de saúde.

No local, ela descobriu do que se tratava. A médica, assim que viu as tranças no cabelo da pedagoga, perguntou se ela havia utilizado pomada modeladora e gel. “Ela logo me falou: ‘estão chegando muitos casos aqui e as pessoas estão ficando cegas, sem saber de nada’”, conta.

Veja o relato de Adélia:

Além do uso de medicamentos, Adélia está fazendo um acompanhamento médico por um período de 30 dias. Segundo a pedagoga, mais de uma semana depois, a visão do olho direito ainda não foi recuperada totalmente.

“A sensação é péssima. Não desejo para ninguém. Quando escutei dos médicos que eu precisava fazer uma intervenção imediata, porque era caso de urgência, foi muito dramático. Arde bastante. É uma dor muito forte, de queimadura mesmo, como se tivesse um punhal no meu olho”, diz ela.

Médicos apontam falta de informação e riscos em geral

A superfície dos olhos é sensível e, apesar de ter uma capacidade regenerativa alta, os médicos alertam para os cuidados que devem ser tomados na aplicação e manuseio de determinados produtos com compostos químicos, sob pena de sequela eterna para a visão. Em relação aos capilares, não é diferente.

A reportagem ouviu especialistas da área e eles enfatizaram a presença de substâncias prejudiciais ao olho, como derivados do álcool, na composição de produtos para cabelo, em geral. Isso, por si só, já é um sinal de alerta. “Álcool e olho não combinam de jeito nenhum”, afirma o oftalmologista Eduardo Nery, de Goiânia.

No caso de Lorena e Adélia, cujas pomadas se diluíram na água da piscina, pode ter ocorrido, ainda, alguma reação química com o cloro e acentuado o potencial de queimadura. O oftalmopediatra do Visão Hospital de Olhos, em Brasília, Tiago Ribeiro, explica que a gravidade dos casos pode variar entre leves, com ferimentos superficiais, e graves, com surgimento de úlceras e até variação da córnea.

O recomendado, não só em casos de produtos capilares no olho, mas de qualquer substância química, segundo eles, é lavar abundantemente, assim que constatada a irritação. Preferencialmente, a lavagem deve ser feita com soro fisiológico. Na ausência dele, pode ser feita com água mineral ou corrente. Quanto antes as medidas forem tomadas, mais fácil será a recuperação. Em seguida, claro, deve-se procurar um oftalmologista.

Falta de informação

O que se observa no dia a dia dos atendimentos, de acordo com os médicos, é uma certa falta de informação sobre os riscos gerados pelo contato desses produtos com os olhos. Alguns trazem no rótulo, em letras pequenas, a recomendação, mas ainda é perceptível a falta de detalhamento sobre o que pode ser acarretado em banhos, seja em casa, na piscina ou no mar.

“É uma coisa muito pouca falada. A rotulagem dos produtos, quando traz algo, é bem pequeno, precisa até de óculos para enxergar. Não acho que eles especificam bem essa questão”, afirma a oftalmologista Camila Ávila Geraissate.

No salão: “nunca chegou até mim”

Há dois anos, Kesia Araújo, de 21 anos, trabalha como trancista em Goiânia. Ela ainda não ouviu de clientes, nesse período, alguma reclamação relacionada ao contato de pomadas modeladoras com os olhos, mas reconhece que falta informação detalhada até em cursos profissionalizantes.

O uso de pomadas, segundo Kesia, é importante para firmar a trança. “Sem a pomada, não fica com aspecto profissional. A pomada é essencial para a trancista. A indicação que eu dou sempre para a primeira lavagem, após a aplicação, é lavar o cabelo com a cabeça deitada para trás para evitar o contato com os olhos”, diz ela.

Ao manusear, Kesia adota uma estratégia para evitar o contato direto com o produto. Em geral, trancistas utilizam uma proteção na mão, porque a pomada tem a capacidade de ressecar a pele. “Ela resseca muito. Se faz isso com a pele, imagine com os olhos. Até mesmo para a gente que pega com os dedos e, às vezes, esquece de lavar, arde. No olho, então…”, compara.

Tanto Anna Fialho, a mãe de Lorena, quanto a pernambucana Adélia enfatizam que o problema não está na atividade das trancistas, mas na composição e nas informações relacionadas às pomadas modeladoras. “Eu mesmo, até então, não sabia dessa questão. Nunca chegou até mim”, afirma Kesia. “É importante levantar isso para que os profissionais fiquem mais atentos”, diz ela.

Publicação da mãe de Lorena:

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