Duas das grandes perdas que a pandemia de Covid-19 impôs ao país, Aldir Blanc e Paulo Gustavo voltaram aos holofotes na última semana. Eles batizam duas leis que preveem ajuda financeira ao setor cultural e que tiveram vetos derrubados pelo Congresso Nacional — fato bastante comemorado por artistas e demais trabalhadores do segmento.
Roteirista, diretora e produtora cinematográfica brasiliense, Cibele Amaral participou ativamente da mobilização liderada pelos profissionais do segmento. A cineasta acredita que com mais verbas e incentivos, o país pode importar menos e exportar mais, além de dar aos artistas brasileiros uma vida melhor, mais digna. “O Brasil é uma potência cultural apesar de tudo. Porque os artistas daqui não desistem, são um exemplo de resiliência”, comenta.
Ela explica que no DF, por exemplo, quase todas as obras dependem de incentivo. “Não conseguimos ainda chegar nas majors, estamos fora do circuito comercial. Mas temos chances, estamos crescendo e precisamos continuar sendo fomentados para não morrermos na praia. Para citar uma obra, o último filme que lancei, Por que Você Não Chora?, e que teve ótima repercussão, foi feito com verba do FAC e do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA)”, defende.
Cibele Amaral
Impacto na economia
Um estudo feito em São Paulo pela Fundação Getúlio Vargas divulgado recentemente mediu o impacto econômico dos programas de fomento à economia criativa no estado. O levantamento considerou três plataformas de incentivo: Lei Aldir Blanc e as leis estaduais ProAC e Juntos Pela Cultura e constatou que em 2020 e 2021 elas movimentaram R$ 688,8 milhões, sendo R$ 413,6 milhões de forma direta e R$ 275,2 milhões de forma indireta.
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As políticas também geraram 9.291 postos de trabalho e R$ 110,8 milhões em tributos federais, estaduais e municipais. O resultado expõe o que os pesquisadores chamam de “índice de alavancagem econômica”: a cada R$ 1 investido nas atividades culturais incentivadas foi movimentado 1,67 real na economia.
Para o cineasta Marcus Ligocki essa não é, necessariamente, uma descoberta. “O impacto positivo da produção cultural e sua indústria criativa na economia dos países é amplamente conhecida e, por este motivo, todas as nações adotam incentivos fiscais e investem recursos públicos em suas indústrias culturais. O Brasil não é uma exceção. Os Estados Unidos, com todo o vigor de sua indústria de entretenimento, não é uma exceção. Mesmo lá os incentivos fiscais são ferramentas estratégicas para o aumento da competitividade e para a articulação e vitalidade da indústria”, diz.
Outro exemplo pertinente da importância dessas políticas públicas está do outro lado do mundo, na Coreia do Sul. Uma das principais iniciativas do país para fortalecer a a cultura foi instituir cotas para exibição de filmes nacionais nos cinemas.
Criado em 1966, ainda durante o regime militar coreano, o sistema previa um mínimo de dias de exibição para produções nacionais — a exigência foi progressivamente ampliada até atingir seu pico, de 146 dias, em 1985, dois anos antes do fim da ditadura e mantido neste patamar pelos governos democrático até 2006. Além disso, o país asiático também criou um conselho cinematográfico, uma academia de cinema e um arquivo do cinema local.
Não à toa, a onda Hallyu, como ficou conhecida a popularização dos produtos culturais da Coreia do Sul, se espalhou pelo mundo e Parasita fez história em 2020 ao se tornar o primeiro filme em língua estrangeira a vencer o Oscar de Melhor Filme.
Com 49 anos de idade, Marcus Ligocki diz se dedicar a produção audiovisual desde o início dos anos 1990, quando o Brasil produzia um filme por ano e estava distante de sua melhor fase na indústria cinematográfica.
“Acompanhei o surgimento da Lei Rouanet, da Lei do Audiovisual, com elas veio a retomada do cinema brasileiro, marcada pelo lançamento do filme Carlota Joaquina, da Carla Camurati. Com muita dedicação e trabalho, os mecanismos foram sendo aprimorados. Nasceu a Agência Nacional do Cinema (Ancine), que acelerou o desenvolvimento do setor, ampliou o controle e desenvolveu novas linhas de fomento por meio do Fundo Setorial do Audiovisual. Chegamos a 180 filmes produzidos por ano e mais de 2.400 conteúdos para TV”, lembra.
Marcus Ligocki, cineasta
“Isso representa cerca de meio milhão de empregos diretos e indiretos sendo gerados, numa indústria que ao invés de poluir e destruir o meio ambiente, gera conhecimento, autoestima, integra e fortalece boa parte dos setores econômicos do país”, completa.
Nesses anos de trabalho, Ligocki lançou sete longas e dezenas de produtos para TV, dentre eles Rock Brasília – Era de Ouro, O Último Cine Drive-In, Uma Loucura de Mulher, Candango – Memórias do Festival e Pureza, lançado recentemente nas salas de cinema. “Para cada um deles, tivemos uma diversidade de fontes de financiamento, entre públicas e privadas, mas foi o investimento público que garantiu que grande parte das obras fossem realizadas”, completa.
Leis Aldir Blanc e Paulo Gustavo
A Lei Aldir Blanc 2, batizada em homenagem ao compositor e músico que morreu em maio de 2020, aos 73 anos, cria uma política nacional de incentivo permanente à cultura, com a aplicação anual de verba nos estados e municípios para financiar projetos culturais, com a previsão de repasse anual de R$ 3 bilhões da União para estados e municípios. Quando vetou o projeto, Bolsonaro alegou que o texto era inconstitucional e contrariava o interesse público.
Já o texto que trata da Lei Paulo Gustavo, por sua vez, destina cerca de R$ 3,8 bilhões do Fundo Nacional de Cultura e do Fundo Setorial de Audiovisual para artistas em razão das perdas sofridas ao longo da crise da pandemia. Na justificativa técnica ao veto, o governo disse que a proposta “enfraqueceria as regras de controle, eficiência, gestão e transparência”, o que poderia prejudicar as contas da União.
Os vetos presidenciais foram derrubados pelo Congresso Nacional, na última terça-feira (5/7).
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