Embates entre candidatos e artistas sobre direitos autorais e de imagem já desencadearam processos judiciais e se tornaram até mesmo brigas públicas. O mais recente caso, envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a cantora Anitta, reacendeu o debate. Até onde a legislação ampara a publicidade eleitoral e quais são os limites dela?
Em entrevista ao Metrópoles, Márcio Menegatti, consultor em propriedade intelectual, especialista em assuntos relacionados ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) e CEO de uma empresa dedicada ao registro de marcas e patentes que atua no mercado há 20 anos, explica que a imagem é um direito personalíssimo garantido pela Constituição.
Anitta desautoriza PT a usar imagem dela na eleição: “Não sou petista”
Márcio afirma que o uso indevido de imagens, principalmente de pessoas famosas, cresceu neste ano, sobretudo devido às eleições e à polarização entre Lula, líder nas pesquisas, e o presidente Jair Bolsonaro (PL), que tenta a reeleição.
“Infelizmente, algumas pessoas fazem essa utilização indevida para propagar seus produtos, serviços ou ideais, porque a vinculação desta imagem poderá atrair outros olhares e eventualmente ‘clientela’ para seu negócio”, comenta.
O especialista explica que para cada uso da imagem deve haver uma autorização expressa, não podendo ser utilizadas imagens de artistas por um candidato sem a autorização deste, mesmo que o artista apoie tal candidato.
“A publicidade da imagem na internet não é uma permissão genérica para que terceiros a utilizem a seu bel-prazer, sendo que o seu uso exige a autorização do titular”, comenta sobre o caso que envolve Lula e Anitta.
Para ele, todos os brasileiros têm o direito de apoiar um ou outro candidato, sem que seus ideais estejam alinhados necessariamente ao partido ou seus candidatos de forma geral. “Assim, o uso de imagem de alguém para associação a algo, necessariamente deve ser autorizado, sendo um direito garantido pela Constituição”, pondera.
Ele completa: “Acredito que sim, eventualmente o uso indevido de imagens de cantores, compositores e artistas, podem vir aumentar perto da época eleitoral, isto porque tais pessoas são ícones para muitos brasileiros e seus atos, postagens, pensamentos, podem vir a influenciar alguém que está indeciso em quem votar.”
Confira, a seguir, os principais pontos da entrevista:
A legislação eleitoral prevê o uso de marcas por candidatos e estabelece critérios. Isso é bem respeitado pelos candidatos?
A Lei nº 9.504/1997, que trata das normas para as eleições, determina que a partir de 02/07/2022 fica vedada o uso das marcas de governo, de campanhas, de ações, de eventos, slogans ou qualquer elemento que possa constituir como sendo um sinal distintivo capaz de configurar uma publicidade institucional. Isso porque, busca-se evitar sua associação com determinada gestão de governo.
Assim, deve ser suspensa toda e qualquer forma de divulgação de tais elementos, inclusive no tocante a distribuição de materiais impressos ou publicitários com a marca do governo, tais como publicações, folders, filipetas, cartilhas, folhetos, dentre outros, bem como o uso de uniformes, sendo que as placas devem ser cobertas ou retiradas.
Nesse sentido, o que tem se verificado é uma fiscalização rigorosa por parte dos agentes ligados ao Tribunal Eleitoral (TRE, TSE e Ministério Público Eleitoral) no sentido de coibir e punir quem desrespeitar tal regra, motivo pelo qual tem se verificado uma mudança de postura por parte dos candidatos em relação a essa questão, para observar e cumprir com a referida regra eleitoral.
Recentemente, houve uma discussão se o uso de bandeiras poderia ser usado durante o período eleitoral, ou se seria uma hipótese de descumprimento da regra em questão, sendo que o Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (TRE-RS) decidiu que o mero uso da bandeira do Brasil ou de símbolos nacionais não pode ser considerado propaganda eleitoral.
A lei de Propriedade Industrial e a lei de proteção aos direitos autorais podem ser utilizadas para regulamentar as criações artísticas para os candidatos?
As Leis nº 9.279/96 e nº 9.610/98 devem ser utilizadas para os devidos registros das criações intelectuais criadas em campanhas eleitorais. Comumente, sabe-se que dentre as estratégias de campanha, vários candidatos utilizam-se de diversos artifícios publicitários, tais como itens visuais, músicas, jingles, vinhetas, slogans e marcas. Os direitos marcários pertencem àqueles que primeiro registram, ou seja, é essencial que haja a devida proteção junto ao órgão competente, que no caso é o Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Já os direitos autorais (músicas, jingles, dentre outros) são de titularidade daquele que criou, sendo seu registro facultativo junto a Biblioteca Nacional (ou na Escola de Música da UFRJ). De qualquer forma, apesar de não ser obrigatório, o registro do direito autoral é extremamente recomendado, pois facilita muito a proteção legal dos autores.
O senhor acredita que há pouca preocupação no registro formal das peças publicitárias geradas no âmbito da eleição?
Com certeza, especialmente no tocante aos direitos autorais, cujo registro é facultativo pela Lei. Nesses casos, tem-se que tomar especial atenção, tendo em vista que qualquer fruto da criação intelectual depende da autorização de seu autor ou titular para que possa ocorrer a exploração eleitoral, mesmo que não haja o registro formal perante o órgão responsável.
Com isso, a ausência do registro de peças publicitárias criadas em campanhas eleitorais é muito importante, a fim de garantir a devida proteção ao seu criador/autor, lisura no pleito, transparência e o mais importante, a possibilidade de ter meios legais de prova para reivindicar sua obra, em caso de transgressão.
Por fim, o respeito às leis e o cumprimento da legislação na pré-candidatura são as primeiras provas de respeito social e integridade que se espera de um candidato.
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Um artista ao declarar apoio a um candidato chancela o uso pelo candidato de material de redes sociais, como o uso de imagens?
Não. A imagem é um direito personalíssimo garantido pela Constituição Federal. Conforme a legislação civil vigente, para cada uso da imagem deve haver uma autorização expressa e específica, não podendo ser utilizadas imagens de artistas por um candidato sem a autorização deste, mesmo que o artista apoie tal candidato. Ademais, a publicidade da imagem na internet não é uma permissão genérica para que terceiros a utilizem a seu bel-prazer, sendo que o seu uso exige a autorização do titular.
Como o senhor avalia o caso que envolve o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a cantora Anitta?
O caso envolvendo o ex-presidente e a cantora Anitta é muito simples, a cantora afirmou em suas redes sociais que apoiará o ex presidente nas eleições de 2022, entretanto, outros candidatos e o próprio partido começaram a associar a imagem da cantora em suas publicações, o que levou a mesma recentemente a publicamente informar que não é petista e que não autoriza o uso de sua imagem para promover o partido ou seus candidatos.
Acredito que todos os brasileiros têm o direito de apoiar um ou outro candidato, sem que seus ideais estejam alinhados necessariamente ao partido ou seus candidatos de forma geral. Assim, o uso de imagem de alguém para associação a algo, necessariamente deve ser autorizado, sendo um direito garantido pela Constituição Federal a imagem das pessoas (Art. 5º, inciso X, da Carta Magna)!!
O uso indevido da imagem de outrem pode inclusive gerar direito a indenização pelo dano material ou moral, se essa imagem sem consentimento, atingir a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se destinarem a fins comerciais. Portanto, ao meu ponto de vista, apoiar um certo candidato para as eleições, não dá o direito que seu partido ou outros candidatos vinculem a imagem da cantora ou de quem quer que seja, sem autorização, para propagandas a favor do partido ou em benefício próprio.
Já vivenciamos embates entre artistas e políticos pelo uso indevido de produções. O ex-governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB) teve que indenizar o cantor Chico Buarque, por exemplo. Isso está aumentando no país?
No início deste ano, tivemos uma decisão judicial envolvendo o ex-governador e Chico Buarque, isto porque o cantor entrou com um processo pelo uso indevido de sua imagem em um vídeo publicado pelo Sr. Eduardo Leite nas redes sociais, na época em que o mesmo concorria à indicação do PSDB para a Presidência da República. A justiça do Rio de Janeiro, em primeira instância, determinou que o ex governador pague o valor de R$ 40.000,00 de indenização por danos morais ao cantor e compositor, sendo que o processo ainda não teve seu trânsito em julgado.
Ao meu ver, o uso indevido de imagens, principalmente de pessoas famosas, está sim aumentando no país, infelizmente algumas pessoas que fazem essa utilização indevida para propagar seus produtos, serviços ou ideais, porque a vinculação desta imagem poderá atrair outros olhares e eventualmente clientela para seu negócio.
Entretanto, não é correto utilizar-se da imagem de uma pessoa, sem que tenha autorização para tal uso, como já dito, a autorização sem uso poderá gerar altas indenizações, como no caso do ex governador e o cantor/compositor.
A polarização entre dois pré-candidatos que postulam a Presidência da República pode aumentar casos de uso indevido numa tentativa de mostrar mais apoio do setor cultural?
Acredito que sim, eventualmente o uso indevido de imagens de cantores, compositores e artistas, podem vir aumentar perto da época eleitoral, isto porque tais pessoas são ícones para muitos brasileiros e seus atos, postagens, pensamentos, podem vir a influenciar alguém que está indeciso em quem votar.
Apenas a título exemplificativo, de como vozes ativas podem influenciar eleições, vimos acontecer nos Estados Unidos na disputa entre Donald Trump e Joe Biden, na qual muitos artistas utilizavam suas plataformas digitais para mostrar apoio a algum candidato, o que não é ilegal, e possivelmente ocorrerá nas eleições presidenciais de nosso país em 2022.
Agora, utilizar a imagem de uma pessoa, sem possuir autorização para este uso, apenas para angariar votos, no meio cultural, é totalmente ilegal e pode ser penalizado pela letra da legislação.
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