Sabine Boghici foi presa no Rio de Janeiro, acusada de liderar bando para roubar a própria mãe, que é viúva de renomado galerista
Investigações conduzidas pela Polícia Civil do Rio de Janeiro (PCRJ) revelam detalhes sobre os abusos sofridos pela francesa Geneviève Boghici, de 82 anos. A idosa passou fome e chegou a ser ameaçada com faca no pescoço. Ela foi vítima de um golpe aplicado pela própria filha, Sabine Boghici (foto em destaque), presa na manhã desta quarta-feira (10/8) na zona sul do Rio. O prejuízo atinge o montante de R$ 725 milhões em obras de arte, joias e dinheiro. O bando se passou por vidente para enganar a mulher.
Segundo o depoimento, em janeiro de 2020, após sair de sua agência bancária, a idosa foi abordada por uma mulher, que se apresentou como vidente Diana. A suspeita teria lhe informado que a filha da francesa estava doente e morreria em breve. A vítima seguiu com a golpista até o apartamento onde mora, em Copacabana. No local, a suposta vidente jogou búzios e “confirmou o evento trágico”.
A partir daí, a vítima foi persuadida a providenciar imediatamente o pagamento para “salvar” a vida da filha. Acreditando nas previsões das videntes e levando em conta os problemas psicológicos enfrentados há muitos anos por Sabine, resolveu fazer o tratamento espiritual e concordou em fazer os pagamentos solicitados, que se iniciaram em 22 de janeiro de 2020 e se estenderam até 5 de fevereiro de 2020.
Alguns dias após o início do tratamento espiritual, Sabine começou a isolar a mãe das pessoas com quem regularmente convivia, além de dispensar os funcionários que prestavam os serviços domésticos, situação que acabou gerando a desconfiança de que o tratamento espiritual seria uma forma encontrada por sua filha, em comum acordo com todos os diretamente envolvidos na fraude, de induzi-la a pagar tais valores exorbitantes em busca da cura de uma doença inexistente. Diante disso, a idosa suspendeu qualquer pagamento a partir de 5 de fevereiro de 2020.
Sabine então passou a agredir e ameaçar mãe de morte. Negava comida à mulher, segundo as investigações, tudo para obrigar a vítima a realizar os pagamentos do tal tratamento espiritual. A francesa relata que teve certeza de que sua filha tinha um envolvimento com uma outra vidente envolvida, Rosa Stanesco Nicolau, que também atende pelo nome de Mãe Valéria de Oxossi e com os demais partícipes do golpe.
Nessa época, tendo como desculpa a pandemia do coronavírus, Geneviève ficou completamente isolada de seus amigos e funcionários domésticos, impedida também de usar os telefones. De outro lado, recebia visitas de pessoas que iam ao apartamento realizar o tal tratamento espiritual.
Diante desse quadro, em que se encontrava totalmente isolada e coagida, a idosa, em 30 de abril de 2020, foi obrigada a fazer uma transferência no valor de R$ 8 mil para a conta bancária do filho de Rosa.
As ameaças de morte se agravaram e não foram poucas vezes em que Sabine colocou uma faca no pescoço de Geneviève, enquanto, no viva-voz do celular, Rosa mandava a filha da idosa matá-la, caso todos os bens não lhe fossem entregues. A partir de 10 de setembro de 2020, diante das ameaças, coações e isolamento sofridos, foram feitas outras 38 transferências bancárias ao bando que seria liderado pela filha da francesa.
Nesse período, Rosa vivia em contato com Sabine e também passou a frequentar, de forma esporádica, a casa da vítima, oportunidade em que
ameaçava amaldiçoar e agredir a idosa para que esta realizasse as transferências exigidas, além de sair do local com diversos objetos de valor, sob a alegação de que estariam amaldiçoados e que precisavam ser dali retirados para serem rezados, subtração a que a idosa já não conseguia mais opor resistência, tal a situação de coação e violência.
Prisões
Além de Sabine, acusada de subtrair da mãe 16 peças de artistas consagrados, foram presos Gabriel Nicolau Traslaviña Hafliger, Jacqueline Stanescos e a vidente Rosa Stanesco Nicolau.
Dentre os quadros levados, existiam trabalhos de renomados artistas, como Di Cavalcanti e Tarsila do Amaral. O nome que batiza a ação faz alusão ao quadro Sol Poente, de Tarsila – avaliado em R$ 250 milhões e encontrado por policiais embaixo da cama da Rosa Stanesco.
Esse quadro de Tarsila, inclusive, foi resgatado de um incêndio ocorrido na casa de Jean Boghici em Copacabana, em 2012. Na ocasião, obras milionárias foram destruídas.
Seis mandados de prisão e 16 de busca e apreensão foram expedidos. O caso é investigado pela Delegacia Especial de Atendimento à Pessoa da Terceira Idade.
Ao todo, 16 obras de arte foram roubadas. Três delas, avaliadas em mais de R$ 300 milhões, foram recuperadas em uma galeria de arte de São Paulo. O dono do estabelecimento confirmou à polícia que vendeu outros dois quadros para o Museu de Arte Latino-Americano e disse não ter desconfiado do golpe, por conhecer a família.
Confira as obras levadas, segundo as investigações:
1) O Sono, de Tarsila do Amaral: R$ 300 milhões;
2) Sol Poente, de Tarsila do Amaral: R$ 250 milhões;
3) Pont Neuf, de Tarsila do Amaral: R$ 150 milhões;
4) Ela, aquarela, de Cícero Dias: R$ 1 milhão;
5) Aquarela sem título, de Cícero Dias: R$ 1 milhão;
6) Desenho representando uma paisagem, 1935, de Alberto Guignard: R$ 150 mil;
7) Rue des Rosiers, de Emeric Marcier: R$ 150 mil;
8) Église Saint Paul, de Emeric Marcier: R$ 150 mil;
9) Porto de Pesca rem Hong-Kong, de Kao Chien-Fu: R$ 1 milhão;
10) Coruja ao Luar, de Kao Chi-Feng: R$ 1 milhão;
11) Retrato, de Michel Macreau: R$ 150 mil;
12) Mulher na Igreja, de llya Glazunov: R$ 500 mil;
13) Mascaradas, de Di Cavalcanti: R$ 1,5 milhão;
14) O Menino, de Alberto Guignard: R$ 2 milhões;
15) Maquete Para Meu Espelho, de Antônio Dias: R$ 1,5 milhão;
16) Elevador Social, de Rubens Gerchman: R$ 1,5 milhão.