Ironicamente, brasileiros que transformaram a camisa amarela da CBF em símbolo de amor pelo país estão em campanha contra a Seleção e o principal evento que ela disputa, a Copa do Mundo. Nas redes sociais e em grupos no WhatsApp e Telegram, há uma intensa campanha de bolsonaristas pedindo que os patriotas boicotem os jogos que acontecem no Catar e sigam concentrados na pauta do momento: a contestação da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições.
Nos ambientes virtuais, militantes bolsonaristas defendem que entrar no clima de Copa seria se submeter a uma versão contemporânea da política do pão e do circo, estratégia do Império Romano (27 a.C. a 476 d.C.) para evitar revoltas populares.
A ordem nos espaços onde a militância bolsonarista se manifesta é esquecer a Copa e dedicar a energia a ficar na frente dos quartéis Brasil afora, pedindo a ajuda dos militares para evitar a posse de Lula.
Não, estamos em frente aos quartéis tentando desfazer a fraude pic.twitter.com/sh3NbWhenj
— Roger Rocha Moreira (@roxmo) November 21, 2022
O medo entre os influenciadores é que o torneio, que dura um mês e tem mais de um jogo por dia na primeira fase, acabe desmobilizando as manifestações, que já estão na terceira semana e vão ficando cada vez mais difíceis de manter na primavera chuvosa deste ano em São Paulo e Brasília, principais pontos de aglomeração em frente às instalações militares.
Um temor que é compartilhado pelo próprio presidente Jair Bolsonaro (PL). De acordo com apuração do colunista Guilherme Amado, do Metrópoles, o ainda chefe do Executivo federal avalia que a Copa tem o potencial de esvaziar os protestos. Nesse cenário, a promessa do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, de reclamar ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de um suposto problema nas urnas seria uma tentativa de manter o interesse dos bolsonaristas no tema.
Veja registros da mobilização pelo boicote à Copa em grupos bolsonaristas no WhatsApp:
Reprodução/WhatsApp
Reprodução/WhatsApp
Reprodução/WhatsApp
Reprodução/WhatsApp
Reprodução/WhatsApp
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Jogando pedra em quem discorda
O boicote à Copa do Mundo não é uma questão unânime entre os bolsonaristas e há quem queira entrar no clima do Mundial, aproveitar os jogos e torcer pelo Brasil. Os que se atrevem a externar isso nas redes sociais, porém, não estão sendo bem tratados por seus seguidores mais radicais.
No último sábado, o ministro Fábio Faria (Comunicações) fez postagem com vídeo da Seleção Brasileira a caminho do Catar, com a legenda “Bora, Brasil. Rumo ao hexa!”. Nas respostas, porém, o clima é outro. “Cara … Amamos a seleção. Mas estamos muito preocupados com o nosso futuro”, respondeu um perfil. Veja a postagem e uma das interações:
Sinceramente….
Não toca o meu coração.Vivemos dias onde precisamos FOCAR 100% em nossa luta pela
L I B E R D A D E !Campeonatos vem e vão, mas a nossa liberdade perdida, nunca mais a encontraremos.
O povo brasileiro só quer ter o direito de não se curvar ao mal.
— S.Seabra (@SSeabra2) November 19, 2022
Já o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, postou no domingo (20/11) uma foto de si mesmo usando uma camisa com o número 22 (um afago a seu chefe) assistindo ao jogo de estreia da Copa, a vitória do Equador sobre o Catar. “Começou a Copa do Mundo, momento de alegria, de reunir os familiares e amigos para acompanhar o maior espetáculo esportivo do mundo”, escreveu o ministro, em postagem que havia recebido pouco mais de 1.500 respostas até a tarde de segunda (21/11), praticamente todas com teor de crítica.
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“Enquanto os patriotas estão rachando no sol pela nossa liberdade, o ministro está no conforto do lar assistindo futebol na globolixo”, escreveu um internauta, em resposta a Queiroga. “Meus olhos e os da minha família estão voltados para outro assunto muito mais importante”. “Estamos boicotando essa Copa”, respondeu outra.
O momento não é pra isso.
Milhares de pessoas nas ruas lutando por justiça e liberdade 3 o senhor preocupado com a copa.
Presidente Bolsonaro só tem o povo mesmo.— Elisinha (@Elisinha_BR) November 20, 2022
Na Copa de 2014, quem protestou foi a esquerda
Os bolsonaristas radicais não são o primeiro grupo político a militar pelo boicote à Copa do Mundo entre os brasileiros. Há oito anos, quando o Mundial foi realizado no nosso país, também houve uma mobilização anti-Copa, mas, naquele caso, eram militantes de esquerda que protestavam.
O slogan “Não Vai ter Copa” nasceu ainda no ano anterior ao evento, 2013, quando uma série de protestos balançou o país e os gastos públicos com a construção de estádios luxuosos foram um dos alvos dos manifestantes.
Em 10 de dezembro de 2013, Dia Internacional dos Direitos Humanos, movimentos sociais ligados à esquerda lançaram um manifesto com o título “Se não tiver direitos, não vai ter Copa” e uma agenda de protestos foi organizada no ano seguinte.
Em um dos momentos mais dramáticos dos protestos contra a Copa, centenas de indígenas que estavam em Brasília no dia 27 de maio de 2014 se juntaram aos manifestantes anti-Copa e se dirigiram ao recém-construído Estádio Nacional para protestar. A polícia cercou a arena para impedir o avanço dos manifestantes e se seguiu uma batalha campal que acabou com dezenas de feridos e intoxicados por gás, além de um PM atingido por uma flecha.
O clima era tão tenso que bonecos infláveis do mascote daquela Copa, o Fuleco, que ficavam expostos nas cidades sede precisavam ter escolta 24 horas por dia para não serem “mortos” por manifestantes.
No fim, porém, teve Copa e o evento foi um sucesso, apesar do 7 a 1.
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