“Todos, todas e todes”: entenda a linguagem neutra usada no governo Lula

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Desde o dia 1º de janeiro, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) adotou novas práticas em cerimônias oficiais realizadas no Palácio do Planalto e nos ministérios. Uma das principais mudanças notadas foi a inserção da famosa “linguagem neutra de gênero”.

A linguagem foi utilizada durante as posses do primeiro escalão de Lula, além da solenidade em que o próprio presidente assumiu como o 39º chefe do Executivo federal. O ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, foi um dos primeiros a aderir à neutralidade de gêneros. Quando tomou posse, o petista começou seu discurso com a frase: “Boa tarde a todas, a todos e a todes”.

Veja abaixo: 

 

A linguagem neutra, tida como polêmica por uma parte mais conservadora da população, consiste em uma adaptação da regra pronominal normativa, para que pessoas não binárias se sintam identificadas na comunicação verbal e não verbal.

Atualmente, 15 projetos de lei que citam a linguagem neutra tramitam na Câmara dos Deputados. Essas propostas, no entanto, foram todas apresentadas com o objetivo de banir a inserção dessa linguagem em políticas públicas.

Apesar de os discursos do atual governo terem, em sua maioria, só o uso do “todes” em suas introduções, a linguagem neutra não se resume apenas à adoção de uma palavra.

Popularizada na internet, a linguagem altera os artigos masculino e feminino pelo “e”, a fim de que as palavras se tornem neutras. Em alguns casos, as pessoas também substituem os artigos pelo “x” ou por um “@”.

Na seara dos pronomes pessoais, ainda há o uso do “u” para indicar alguém que não se identifica como mulher ou homem, em casos nos quais a letra “e” já está em uso, por exemplo “ele”. Um exemplo claro de como a regra seria aplicada em uma frase seria: “Elu é bonite”.

Gramaticalmente, na forma culta do português, utiliza-se o pronome masculino quando se fala de mais de um gênero. Por exemplo, se em um grupo de pessoas há mulheres e homens, não será dito “eles e elas”, mas apenas “eles”, o mesmo acontecerá com “todos”.

“Reconhecimento do outro”

Para Jefie Oliveira, formada em direito pela Universidade de Brasília (UnB) e que se identifica como pessoa não binária, a tentativa de impedir o uso da linguagem neutra é uma das pautas do movimento conservador. Jefie defende que a linguagem é uma questão de “reconhecimento”.

Para a advogada, a sociedade foi construída com base em preconceitos estruturais e, por isso, as vivências de grupos minoritários são reprimidas.

“Reconhecer a necessidade de uma linguagem neutra é reconhecer que existe uma demanda de uma população, de um grupo, que não se identifica dentro de uma narrativa social binária que foi imposta pela sociedade colonial, pela sociedade ocidental, que apagou outras identidades nos processos históricos”, diz.

“A principal importância da linguagem neutra está na possibilidade de reconhecer a existência de pessoas de direito em relação a sua própria contribuição e participação dentro de uma sociedade em construção, porque isso envolve justamente esse reconhecimento de que essas pessoas existem e de que elas necessitam de um tratamento especial”, completa.

Etimologia

Sara Wagner York, doutoranda e mestre em educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), explica que o próprio termo “neutro” vem com o intuito de despertencer a “todos”. “A linguagem neutra aparece justamente numa tentativa de atenuar esse peso de uma língua pseudo hegemônica que seria para atender a todos, todas e todes, mas acaba atendendo apenas a um certo grupo historicamente visibilizado”, evidencia.

“A linguagem neutra – o neutro em sua raiz etimológica – tem a ver com ‘nem um nem outro’. Compreende-se linguagem neutra todas aquelas formas que tirariam de expressões da nossa língua uma estrutura que fosse marcadamente masculina, masculinista, machista ou que colocasse, sem hierarquia, corpos de diferentes ordem daquele corpo marcado pelo que chamamos de ‘homens históricos’”, completa a especialista em Gênero e Sexualidades.

Para Jefie, o movimento da linguagem neutra veio justamente para contrariar a regra normativa, que utiliza o pronome masculino como representante de “todes”.

“A gente aprende desde a escola que as palavras no masculino, nas conjugações, adjetivos, substantivos, pronomes terminados no masculino são uma forma de trazer um caráter neutro para uma construção de oração ou frase em determinados contextos, e a linguagem neutra vem questionar justamente isso”, diz.

“A estrutura gramatical portuguesa tem origens dentro de uma estrutura machista de linguagem”, defende Jefie.

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