São Paulo – Com mais de 885 mil inscritos e cerca de 1.300 vídeos publicados, o canal oficial da Polícia Militar de São Paulo no Youtube tem sido utilizado para publicar filmagens de perseguições e prisões em flagrante, exibidas como uma espécie de reality show policial.
O Metrópoles mostrou que as câmeras corporais acopladas nas fardas dos agentes, consideradas vitais para elucidade abordagens que resultam em confrontos, têm servido como fonte de matéria-prima para uma atividade paralela de autopromoção da PM.
São essas câmeras que o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) disse que ia retirar durante a campanha e depois voltou atrás.
Ao estilo de séries e programas policialescos, o canal divulga edições de ocorrências gravadas em tempo real, totalmente em primeiro plano, sob o ponto de vista do policial militar. Com frequência, destacam chamadas sensacionalistas como “Cai cai ladrão” e “Bote na mosca” para exaltar o triunfo dos policiais sobre os criminosos.
Entre os “campeões” de visualizações, estão vídeos de flagrante de prisão, fuga desastrada de assaltantes, invasão a um cativeiro, perseguição da Rota e até mesmo um parto improvisado realizado por PMs.
Os cinco vídeos mais assistidos até hoje do canal já somam mais de 84 milhões de visualizações.
Veja abaixo os vídeos mais assistidos do canal:
“Que flagrante!!!”
O vídeo mais assistido do canal, com 42 milhões de visualizações, é um flagrante de uma câmera de segurança que mostra o momento em que uma dupla é surpreendida por uma viatura da polícia, enquanto tentava roubar o carro de uma mulher. A vítima chega a entrar em luta corporal com um dos criminosos.
Com trilha sonora de filme e recursos de edição, o vídeo traz marcas d’água da Polícia Militar e do governo de São Paulo. No final, a mulher agradece aos policiais, com os agentes ao seu lado.
“Criminosos caem várias vezes de muro em fuga desastrosa”
A segunda publicação de maior audiência do canal mostra um assalto a uma bijuteria. Ao perceberem a chegada da polícia, os suspeitos tentam, sem sucesso, pular o muro dos fundos do estabelecimento.
O vídeo mostra os assaltantes rendendo funcionários, enquanto, na parte de fora, um comparsa que aguarda dentro do carro é abordado por PMs. A edição coloca legendas “narrando” o que está acontecendo.
Com recursos sonoros e visuais, a postagem ainda “brinca” com o fato dos criminosos não conseguirem fugir. “Desistiram de fracassar”, diz a legenda.
“Invasão em cativeiro deixa sequestradores em pânico”
O terceiro vídeo mais visto, com 7 milhões de “views”, acompanha uma incursão de policiais militares dentro de um cativeiro. As filmagens de câmeras corporais mostram os agentes entrando em uma comunidade, apontando a arma para um morador inocente e flagrando o local que suspeitos utlizavam para manter vítimas de sequestro em cárcere privado.
Ao estilo de jogos de tiro em 1ª pessoa, como um “Counter Strike” da vida real, o vídeo segue um policial militar andando pelo local com um fuzil em punho.
“Correu da Rota e se deu mal”
O quarto vídeo do ranking de mais assistidos, com 6,4 milhões de visualizações, é uma espécie de “reality policial”, no qual é possível acompanhar uma operação de uma equipa da Rota por ruas de São Paulo. Os policiais vão explicando dentro da viatura os objetivos da ação.
“A Rota está na rua, com vistas ao tráfico de entorpecente, veículos produtos de roubo e indivíduos procurados pela Justiça. Tamo (sic) tomando a rua aí para tentar inibir a ação por parte dos delinquentes”, afirma um policial. “Todo mundo que chamar a atenção e tiver em atitude suspeita, vai ser abordado”, completa.
“Nascimento do bebê”
Completando a lista dos “top 5” do Youtube da PM paulista, está um vídeo que foge do padrão das “atividades policiais”. Uma equipe de patrulha realiza um parto improvisado em uma casa na região do Campo Limpo, zona sul da cidade.
Enquanto alguns agentes estão em volta da mulher realizando o trabalho de parto, outro policial conversa com uma enfermeira do Samu, que avisa que vai passar o telefone para uma médica. O vídeo tem 5,9 milhões de visualizações.
Espetacularização
Para o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e especialista em Segurança Pública Rafael Alcadipani, esse modelo de comunicação adotado pela PM de São Paulo é uma “espetacularização” da atividade policial e pode colocar policiais em risco.
“A comunicação deveria ser mais sóbria, mais simples, para informar a população. Esse tipo de comunicação não informa muita coisa para a população, inclusive até gera um pouco de medo, dependendo do vídeo, mostrando a realidade dessa maneira, o polical como herói. Reforça estereótipos culturais de polícia muito negativos, que termina por colocar policiais em risco”, afirma Alcadipani.
Os vídeos preservam o rosto de suspeitos, vítimas e testemunhas. Em muitos casos, os rostos dos policiais também são borrados, mas em outros não, o que pode possibilitar a identificação dos agentes envolvidos.
Alcadipani também critica o fato de o modelo exigir efetivos de policiais para atuar na alimentação do canal. “Toma estrutura. Quantos policiais estão lotados na comunicação social para fazer esse tipo de trabalho, que são retirados das ruas, que não estão efetivamente no seu trabalho, que deve ser o patrulhamento especializado”, afirma.
A Polícia Militar informa que o canal PMTV é de responsabilidade da Divisão de Propaganda e Publicidade do Centro de Comunicação Social da PM.
“Existem policiais militares que fazem a coleta e difusão de conteúdos audiovisuais no canal PMTV, e outros que fazem a difusão desses e outros conteúdos nas demais redes sociais, cada equipe com as respectivas capacitações técnicas para tal”, explica o capitão Anderson Luiz da Silva.
Questionada sobre quantos policiais atuam diretamente para manter o canal, a PM afirmou que “trata-se de uma informação estratégica com divulgação restrita”.
De acordo ainda com o setor de Comunicação Social da PM, o canal vem crescendo em relação a métricas como novos seguidores, inserções, taxa de cliques, número de visualizações e postagens.
“Durante o ano de 2022, houve evolução em todos esses critérios, cada um com variações peculiares, o que demanda análise qualitativa mais aprofundada. Nota-se que o número de inserções, independente de qual seja o conteúdo, impulsiona organicamente os outros critérios”, afirma o chefe da Agência de Notícias da Polícia Militar.
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