Logo na entrada da primeira sala da exposição “Chagall: Um sonho de Amor”, que abre nesta quarta-feira (8/2), no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), em São Paulo, está a tela “Aldeia Russa”, de 1929. Nela, a figura de homem em um trenó sobrevoa uma cidade coberta de neve. É Vitebsk, na antiga Belarus (atual Bielorrússia), onde o pintor Marc Chagall nasceu, em 1887 — e da onde fugiu depois da Revolução Russa de 1917.
Para ele, era impossível criar dentro dos dogmas impostos à arte pelo governo soviético — a temática social e do trabalho, uma paleta de cores restritas e uma estética mais próxima do cubismo. Chagall, então, exilou-se em Paris, onde já tinha passado uma temporada de estudos, antes da Primeira Guerra (1914-1918).
A mostra defende que a produção do artista está relacionada a sua visão amorosa da vida. A percepção de um apaixonado que tem dificuldade de firmar os pés no chão e cujas lentes apresentam cores mais saturadas. “Chamam o Chagall de surrealista, mas eu não concordo com essa definição”, diz a curadora Lola Durán Úcar. “Ele pintava o mundo como ele via.”
Este o mundo, onde parece que gravidade não existe e todas as personagens flutuam em seus cenários de cores vivas, é apresentado nesta exposição que já passou por países como Itália, Coreia do Sul e China.
Versão brasileira
A museóloga Cynthia Taboada, que assina a organização, estava em Nápoles, na Itália, quando visitou a mostra e pensou: “preciso levar isso para o Brasil”. Após a aprovação no edital de exposições do CCBB, foram cerca de três anos de negociações para trazer o conjunto de obras.
A fim de apresentar um diferencial, Cynthia pesquisou o que havia de obras de Chagall nas coleções brasileiras. A partir da pesquisa, a mostra cresceu com trabalhos de acervos do Museu de Arte de São Paulo (Masp), do Museu de Arte Contemporânea da USP (MAC-USP) e da Casa Museu Ema Klabin.
Acervo do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo / Foto Romulo Fialdini
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Após passar pelas cidades de Brasília, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, em São Paulo, onde se encerra, a exposição ganha ainda mais 5 trabalhos. Eles fazem parte da série de gravuras “Maternidade”, que faz parte da coleção do poeta Mário de Andrade, preservada no Instituto de Estudos Brasileiros.
O autor de “Paulicéia Desvairada” é considerado o primeiro, no Brasil, a ter trabalhos de Chagall. Entre gravuras, desenhos, guaches e pinturas a óleo estão expostas 191 obras. Conforme a curadora:
“A seleção das obras foi realizada sob a premissa de reunir um conjunto em que estivesse representada minuciosamente a trajetória artística de Marc Chagall, aqui abordada sob distintos pontos de vista.”
Infância, religião e amor
A mostra está dividida em três núcleos temáticos: Origens e tradições russas; O Amor e o exílio na representação do mundo sagrado; O lirismo e a poesia. No subsolo, está a série de gravuras realizadas para o livro “As Fábulas de La Fontaine”, de Jean de La Fontaine.
A maioria das obras apresentadas foi feita sobre papel — guaches, gravuras e desenhos. O que geralmente no mercado de arte tem valor menor. Para a curadoria, esta é uma oportunidade de verificar que Chagall não perdeu a inventividade e o virtuosismo em nenhuma técnica.
“Em sua trajetória artística interessou-lhe experimentar diferentes técnicas, já que essas lhe ofereciam novas possibilidades plásticas para expressar sua criatividade”, explica Lola Durán Úcar.
Os trabalhos mais interessantes, incluindo um número maior de pinturas, estão no núcleo Lirismo e Poesia. Vale parar alguns minutos para observar as composições que tem como destaque arranjos flores, mas onde Chagall camuflou casais. Segundo a curadora, as obras representam o paraíso.
Nesta sala, os trabalhos também exploram a paleta vibrante com a qual Chagall ficou conhecido e também os seres antropomórficos como um violinista com cabeça de bode que aparecem na gravura “O violista apaixonado”, e no guache “Primavera”.
A força desse eixo da exposição pode ser explicada pelo fato da curadoria ser guiada pela frase célebre de Chagall: “Só o amor me interessa, e eu estou apenas em contato com coisas que giram em torno do amor”.
Após atravessar o centro cinza e mal cuidado de São Paulo para visitar a mostra, o visitante sai da exposição com um pouco mais de fé — ou amor — na vida.
Centro Cultural Banco do Brasil:Rua Álvares Penteado, 112 – Centro Histórico. Qua./seg.: 9h/20h. Site: ccbb.com.br. Grátis. Até 22/5.
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