“Há muito tempo, numa grande empresa de tecnologia, uma equipe de cientistas e engenheiros trabalhava incansavelmente em um projeto ambicioso: criar uma inteligência artificial capaz de escrever livros de ficção. Depois de anos de pesquisa e desenvolvimento, finalmente conseguiram. A IA, batizada de Aria, rapidamente se tornou uma das escritoras mais prolíficas da história”.
O trecho acima é a resposta do Chat GPT ao comando: “Produza um conto curto sobre uma inteligência artifical que escreve livros de ficção”. A trama, os nomes, as personagens foram geradas pela IA, que, em um exercício de metalinguagem, produziu algo sobre computadores escrevendo livros.
Desde que se popularizou, o Chat GPT tem promovido debates nas mais diversas áreas do conhecimento. Como sempre, há aqueles que enxergam um futuro promissor e outros temerosos do fim dos tempos (ao menos, da forma como conhecemos o mundo). Um campo que tem se debruçado sobre o tema é a literatura.
Em fevereiro, a revista de ficção-cientifica e fantasy magazine Clarkesworld disse ter recebido 500 contos criados por inteligência artificial. Os textos não foram publicados porque, segundo o editor Neil Clarke, eram ruins e “pobres”.
Mesmo com essa crítica, a possibilidade de uma inteligência artificial produzir textos literários acende um debate no meio. Robôs vão substituir escritores humanos? O Chat GPT vai se tornar uma ferramenta para autores? O futuro é brilhante ou tenebroso.
O Metrópoles procurou resposta para essas perguntas com três escritores brasileiros: Andréa del Fuego (A Pediatra), Aline Bei (Pequena Coreografia do Adeus) e Alê Santos (O Último Ancestral). A inteligência artificial – da qual o Chat GPT se tornou o mais popular – funciona a partir de perguntas: o usuário propõe um problema e o robô apresenta a solução com base na pesquisa dos bancos de dados disponíveis na internet.
Para Andréa Del Fuego, é o mecanismo de funcionamento que ainda torna necessário um elemento humano. E, nessa participação, estaria a “literatura” do processo. “Existe uma interação humana aí, a literatura está na pergunta, é necessário fazer perguntas para que ele produza algo”, opinou.
“A literatura é uma expressão de gestos, que fala sobre si ou sobre outro. E revela as ambiguidades do ser humano. A máquina, ainda, não sabe lidar com ambiguidades profundas. A grande questão é que o robô não tem angústia. É uma ferramenta, como uma cor de caneta que você escolhe”, completa a autora. “Não usei e não pretendo”, concluiu.
Cadê a emoção?
Aline Bei compartilha parte das ideias de sua colega Del Fuego. A escritora reflete sobre o caráter de ferramenta da inteligência artificial, uma forma de destravar ideias, de ajudar o escritor, mas, ainda, incapaz de refletir os sentimentos humanos.
“[Essas ferramentas criam] textos, mas não necessariamente arte. Falta sensibilidade humana. Uma máquina pode ser usada como procedimento, mas, na minha opinião, não transforma a criação de um texto em objeto de arte”, diz Bei.
Mas o que seria a tal sensibilidade humana? A propria autora propõe uma resposta: “Acho que é essa emoção, esse modo de entrar em contato com tudo que existe. É o que faz a literatura ser arte. Tenho a impressão que uma máquina não alcança esse tipo de presença”.
Os vieses do Chat GPT
Uma discussão que existe são sobre os vieses do Chat GPT. O tema foi apontado por diversas pessoas, entre elas, a economista Monica de Bolle, que indicou que a inteligência artificial reproduzia preconceitos. Afinal, o software procura em bancos de dados, que foram produzidos por uma sociedade cercada de machismo, racismo e lgbtfobia.
As limitações “intelectuais” da inteligência artificial também estão presentes nos pensamentos de Alê Santos, autor de O Último Ancestral. Ele, que usa o Chat GPT para os aspectos mais mecânicos da criação, aponta os “gargalos” da ferramenta.
“No meu livro, que é afrofuturista, se eu pedir para o Chat GPT procurar por afrocapoeiristas, ele buscará referências norte-americanas, que estão nos bancos de dados. Aí, a gente vai ter que inserir mais dados na pergunta e ir moldando e criando o estilo dentro da IA”, comenta o autor.
“É o humano que vai ter qeu provocar e dizer o que quer. O Chat GPT não tem sentimento, não consegue modular sentimentos complexos e projetá-los, como fazia, por exemplo, o Ariano Suassuna”, defende. “Toda a criação vai depender do repertório humano, que será inserido na IA”, encerra.
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