São Paulo – Na véspera da reinauguração oficial do Centro de Referência de Álcool e Outras Drogas (Cratod), situado na região da Cracolândia, no centro da capital paulista, o operador de guindaste Marcos (nome fictício), de 33 anos, decidiu procurar uma vaga de internação para tratar o vício em cocaína.
Com dificuldades no trabalho e pai de um menino de sete anos, Marcos tomou a iniciativa nessa segunda-feira (10/4). Segundo conta, ele havia pulado o café daquela manhã para cheirar duas carreiras de pó. “Minha vida está muito desandada. Chega uma hora que a droga atrapalha tudo”, diz.
Sem muita certeza de qual equipamento público deveria procurar, ele pôs o celular, dois maços de cigarro e o crachá da empresa na mochila. Depois, foi até um posto de saúde no Pari, na região central de São Paulo. Chegou às 7h30, mas encontrou as portas fechadas.
“Esperei o pessoal abrir, passei pelo médico e eles só me encaminharam para cá”, relata. O Metrópoles encontrou com Marcos na parte externa do Cratod, onde ele aguardava, sentado na mureta, sua vez de ser chamado. Eram 14h30. Até ali, ele já havia percorrido mais de dez quilômetros e esperado sete horas por tratamento.
Porta de entrada do tratamento
Inaugurado em 2002, o Cratod fica estrategicamente localizado nas proximidades da Cracolândia e é tido como a principal “porta de entrada” de dependentes químicos que procuram tratamento na capital paulista.
Parte do plano do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) para acabar com a Cracolândia, o local passou por reforma para tentar atrair mais usuários de drogas que circulam pela região, com decorações que remetem a estações de metrô da cidade e frases motivacionais coladas na parede.
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A promessa também é aperfeiçoar a jornada de quem procura o serviço para se livrar da dependência química – com diferentes tipos de abordagem e atendimentos realizados já no piso térreo, pensado para ser uma “extensão da rua”. Segundo o governo, a unidade deve ofertar mais de 700 atendimentos clínicos por mês e 6 mil atendimentos sociais.
Apesar de já estar funcionando nos novos moldes desde a semana passada, a reinauguração oficial está prevista para esta terça-feira (11/4). Na tarde anterior, a maior movimentação era de funcionários contratados para ajustar preparativos do evento e instalar as placas que anunciavam o novo “Hub de cuidados em crack e outras drogas”.
Desistência
O Metrópoles acompanhou a entrada do Cratod por cerca de duas horas – período em que menos 15 pacientes chegaram ao local, nenhum deles acompanhado de profissionais de assistência social ou de saúde. Nesse intervalo, nenhuma ambulância ou veículo de atendimento deixou a unidade. O governo promete fazer busca ativa em breve.
Após triagem, os dependentes químicos aguardavam atendimento deitados no chão ou sentados nos degraus de entrada. Àquela hora, não havia cadeiras ou bancos disponíveis no térreo.
Por volta das 15h30, um homem entrou na recepção e, visivelmente transtornado, gritou: “Hoje eu vou mandar todo mundo para o inferno”. Um segurança se aproximou em seguida. O rapaz saiu do local sem ser abordado por mais ninguém.
Nessa hora, Marcos fumava um cigarro na calçada e ouviu seu nome ser chamado lá de dentro. Imediatamente, ele levantou a mão e se dirigiu para o atendimento. A consulta durou exatos 16 minutos. Tempo suficiente para ele mudar de ideia e desistir de ser internado.
“Eles disseram que tinha vaga para internação, mas que não era compulsório. Eu tinha que decidir se queria. Minha família não sabe que eu estou aqui, achei melhor conversar com eles antes de fazer isso”, disse na saída.
Na mão, carregava um atestado médico que o liberava do trabalho pelos próximos três dias.
“O paciente negou”
Em nota, a Secretaria de Estado da Saúde afirma que Marcos “recebeu o atendimento necessário para o quadro clínico apresentado naquele momento, sendo assistido durante todo o tempo de espera, desde a sua chegada até o momento da sua consulta”.
“Ao ser oferecida a internação para dar continuidade ao tratamento, o próprio paciente negou, sendo liberado posteriormente”, afirma a pasta.
Segundo a gestão Tarcísio, ele será acompanhado pelo novo Hub e as equipes entrarão em contato “para que o atendimento e a sugestão de tratamento possam continuar sendo oferecidos” de maneira individualizada.
“A desistência do paciente faz parte de uma ambivalência sintomática por uso de substâncias. Entretanto, a relação individual entre ambas as partes faz parte de um vínculo que vai se formando aos poucos e pode resultar em uma não desistência futura, uma vez que, a partir deste momento, ele sabe onde procurar ajuda”, diz a secretaria.
“O Estado não defende internação compulsória ou involuntária em massa sem uma avaliação minuciosa, individualizada e dentro dos parâmetros técnicos e legais.”
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