Baderna! Baderna! Baderna!

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Paulo Celso da Silva

A multidão grita ensandecida como se estivesse proclamando a chegada de uma deusa entre os mortais. Era quase isso, em meados do século XIX. Marietta Baderna foi a prima ballerina assoluta nos palcos da Europa. Mas quem foi ela? Que poder foi esse para criar uma palavra que não existia no dicionário português? Mas o termo aparece no primeiro dicionário brasileiro, em 1889, publicado parcialmente pela Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

A palavra baderna nesse dicionário indica “súcia quase sempre dançante”, em que a expressão “súcia” quer dizer pessoas de má índole, geralmente os pobres. O exemplo dado pelo dicionário tenta deixar mais claro: “este sujeito leva a noite toda tocando viola no meio de uma baderna de sujeitos conhecidos pelas autoridades do lugar como incorrigíveis” (Corvisieri, 2001, p. 220). Deixa claro ainda que a palavra deriva do nome da bailarina italiana Marietta Baderna.

A bailarina nasceu em 1828, na cidade de Castel San Giovanni, província de Piacenza, na Itália, e faleceu no de Rio de Janeiro, em 1892. O pesquisador italiano Silverio Corvisieri publicou em 2001 a edição brasileira de sua investigação acerca da vida da artista, em que afirma que “nada se sabe de preciso sobre sua vida depois de 1865, assim como nada se sabe de sua morte (p.218).

Contudo, o jornalista Vitor Paiva, ao escrever acerca do tema em seu blog em 2018, recebeu um comentário de Marilia Giannini Paulo Rydlewski, trineta do maestro Gioacchino Giannini e da bailarina Marietta Baderna, que esclarece: “Baderna perdeu o pai de febre amarela em 1850, oito meses depois da chegada ao Brasil, não morreu em 1870 de tuberculose, mas em 1892, de câncer, junto de sua família em sua residência em Botafogo, no Rio de Janeiro, com 64 anos. Formou uma família com o maestro Joaquim Giannini, que a trouxe da Europa com o pai. Tiveram quatro filhos, dois meninos e duas meninas, afirmo e assino em baixo como uma de suas trinetas, Baderna deu aula de dança até perto de sua morte em escolas para moças e meninas”.

Isso esclarecido, o leitor fica a se perguntar por que o sobrenome da bailarina entrou para o dicionário brasileiro. Um pequeno retorno àqueles dias do século XIX, em que a sociedade brasileira não se via e nem “se sonhava” como classe média, as elites reacionárias e seus signatários nem sempre dessa classe, usavam o termo baderna para “execrar os movimentos populares”, como bem lembra Werneck (Castro).

Entretanto, o sentido original da palavra é de elogio à arte e ao feminino, motivado pela escolha da bailarina clássica, que era Marietta, ter feito a releitura de danças afro-brasileiras, como o lundu, a umbigada e a cachucha, consideradas imorais e escandalosas pela sociedade brasileira racista, conservadora, escravista brasil, mas fez a alegria da juventude progressista que vivia os “excessos” da multiculturalidade e da expectativa — sempre futura — de uma sociedade livre de preconceitos e discriminações.

E Marietta Baderna encarnava esses desejos de liberdade e os vivia, uma vez que aprendeu em sua casa que esses valores deveriam inspirar as pessoas em qualquer lugar do mundo.

A arte de dançar, a arte-corpo-arte que transforma passos em êxtase, no palco ou nas ruas, não coaduna com repressão de qualquer tipo. Não coaduna com conservadorismos tacanhos que não sabem mais o que é importante conservar, sabem apenas o que não querem ver-ouvir-sentir. E o que não querem é o futuro, seja no século XIX, XX ou XXI.

Baderna é sinônimo de resistência dos valores e sentimentos mais singelos, por isso mais profundos, daqueles que, felizmente, muitos querem compartilhar.

Baderna! Baderna! Baderna!

Paulo Celso da Silva, professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Uniso Mestrado e Doutorado. Doutor em Geografia Humana. E-mail: [email protected].

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