Mary Dantas Agostinelli, uma das personalidades mais carismáticas da cidade, com seu sorriso e sotaque contagiantes, conquistou amigos, construiu uma sólida carreira como educadora e formou uma linda família. A menina, que saiu com 8 anos de idade, junto com sua família, da cidade de Patos, no interior da Paraíba, sofreu preconceito na infância por conta de seu sotaque, mais consegui com carisma, conhecimento e educação, mostrar que o nordestino tem valor. A coluna Presença conta hoje um pouco da história da pedagoga, professora, maestrina, folclorista, projetista e radialista.
Presença – Como foi sua infância?
Mary Dantas – Eu nasci em Patos, no interior da Paraíba, hoje uma cidade que é um polo universitário, com mais de 100 mil habitantes. Porém, na época, era uma típica cidade pequena do sertão. Eu tive uma infância feliz, sempre brincando com meus irmãos no chão de terra batida. Vivi em Patos até os 9 anos e guardo com muito carinho as lembranças daquela época.
P – E como você veio parar em Sorocaba, que está distante 2.700 quilômetros de Patos?
M.D. – Meu pai era caixeiro viajante. Ele trabalhava para Têxtil Amazonas e acabou se destacando com um dos melhores vendedores da empresa. Em 1955 foi convidado pela diretoria do Rio de Janeiro para vir para São Paulo. A empresa iria pagar o aluguel por um ano para ele vir com toda família. Foi alugado um micro-ônibus, que na época era chamado de Marinete, pegamos todas as nossas coisas e viemos, juntamente com uma empregada e uma prima nossa. Chegamos no Rio de Janeiro e ficamos hospedados no Hotel Presidente. Nesse período fiquei encantada com as praias cariocas. Uma semana depois, meu pai foi designado pela empresa para São Cruz do Rio Pardo, porém ele teria que passar Sorocaba para conhecer o comércio. Quando chegamos em Sorocaba ficamos hospedados por duas semana no Hotel Vicente, na rua Souza Pereira. Meu pai foi visitar o comércio da cidade e conheceu um comerciante da rua Nogueira Padilha, o senhor Najibe. Ele se encantou com nosso jeito alegre de ser e acabou sendo fiador na locação de um imóvel na frente da loja dele.
P – Como foi o começo em Sorocaba?
M.D. – A Nogueira Padilha sempre foi o reduto dos espanhóis e eles nos acolheram de braços abertos, achavam que nós éramos de outro pais por conta do nosso sotaque. E eles eram muito alegres, assim como nós. Eu estudei no Senador Vergueiro, Achilles de Almeida e no Anchieta e meu sonho era ser jogadora de basquete, uma das “minhoquinhas do campineiro”.
P – E a carreira de professora?
M.D. – Eu estudei na Ose e me formei na primeira turma de professores, isso em 1965. Quando me formei, o Sesi estava sendo construído e o senhor Edson Segamarchi convidou eu e algumas alunas para fazer um vestibular em São Paulo para dar aula no Sesi. Acabei passando e la fiquei dando aula por cinco anos. Porém, naquela época eles pagavam pouco e resolvi ir dar aula no Estado. Para isso fui fazer faculdade de Artes Industriais no Ciências e Letras (atual Uniso). Após mudanças no sistema de educação da época eu tive que cursar Arte Musical no Memorial da América Latina em São Paulo. Logo depois, mais uma mudança no sistema de educação me obrigou a cursar Desenho Geométrico em Tatuí. Nunca desisti de dar aulas, passei por várias escolas durante 45 anos. Meu último trabalho foi no Colégio Politécnico de Sorocaba, lá eu fiquei por 15 anos até me aposentar. Em todas as escolas que passei sempre deixei minha marca de alegria e sempre ensinei um pouco sobre o meu nordeste.
P – Você sofreu preconceito por conta de ser nordestina?
M.D. – Minha família sempre fui muito musical, meu avô sempre gostou de instrumentos musicais e sempre nos reuníamos para cantar, sempre tivemos cultura e conhecimento, meus pais e sempre prezaram pela educação. Quando cheguei aqui, o Senador Vergueiro estava formando um coral e eu fui fazer o teste. A música era o Hino Nacional quando eu comecei a cantar e falei “retumbante”, com meu sotaque arrastado, a professora me fez parar de cantar e falou que eu não poderia cantar porque tinha sotaque. Saí da escola arrasada, cheguei em casa chorando e minha mãe ficou muito chateada. Ela se arrumou toda e foi até a diretoria da escola falar com a diretora e acabou dando uma aula para ela; afinal, a Paraíba faz parte do Brasil e que a filha dela iria cantar o hino de seu País sim. Consegui cantar o hino mesmo com meu sotaque.
P – Você chegou a sofrer bulliyng na escola?
M.D. – Sim, todo mundo queria ser meu amigo, porém era para dar risada do meu sotaque, eles ficavam me provocando para falar algumas coisas só para rir de mim. As professoras da época também não respeitavam as minhas raízes. Eu escrevia algumas coisas no “nordestiquês” e ao invés delas mostrarem para todos as diferentes maneiras de linguajar do Brasil, me corrigiam como se aquilo não existisse, como se eu fosse de outro país e eu não falesse o Português. Uma vez, o inspetor de alunos me perguntou se eu tinha que por a peneira, lá no nordeste, para saber como era a chuva. Minha irmã mais velha sofreu mais e meu irmão sempre chegava machucado, pois tinha brigado na escola. Eles falavam que nós não éramos brasileiros. O preconceito foi menor quando eu comecei a jogar handbol e fui a capitã do time.
P – Sua família sempre teve muita cultura você viveu um cenário um pouco diferente do que algumas famílias do sertão que passam fome, não é mesmo?
M.D. – Sim, infelizmente até hoje, apesar do nordeste ser muito rico, tem muita gente que ainda vive em situação de extrema pobreza. Meu avô era conhecido como “coronel”, sempre tivemos uma casa confortável, carro, recebíamos através do Correio revistas como “O Cruzeiro”, meus parentes sempre viajaram para São Paulo ou Rio de Janeiro comprar coisas. Meu pai sempre deu aos sete filhos uma boa educação e informação. Quando chegamos aqui já éramos bem informados e estudados, apesar das pessoas não acreditarem.
P – Você apresenta o programa “Raízes do Nordeste” desde 1996, na Rádio Cruzeiro FM 92,2, todas as terças-feiras, às 22h. O fato de você ter sofrido bulliyng te trouxe inspiração para realizar esse projeto?
M.D. – Sim, tudo isso sempre me deu vontade de mostrar o que meu nordeste tem de melhor. Temos a seca, porém temos água correndo embaixo do solo e podemos fazer muito pelo nordeste. Lá temos os melhores resorts, eu faço o meu programa pra mostrar como meu nordeste é lindo, o quanto o meu povo é trabalhador, religioso. O Brasil começou no nordeste, Cabral chegou primeiro na Bahia. Temos música, temos gastronomia, nossas frutas têm um sabor delicioso. Eu agradeço a Deus e à diretoria da Cruzeiro FM, por me permitir ser colaboradora dessa radio maravilhosa e poder mostrar para toda região o quanto o meu nordeste é lindo.
P – Em Sorocaba, você estudou, criou raízes e acabou formando um linda família. Conte um pouco dessa história.
M.D. – Conheci meu marido Sidney, o qual chamo carinhosamente de Bigode aqui, em 1965, durante o desfile de Sete de Setembro. Ele me viu desfilando e se encantou com meu sorriso. Após o desfile, eu e minhas amigas fomos tomar um lanche em uma lanchonete da praça central e ele foi também junto com alguns amigos dele. Quando o vi entrar me encantei, achei ele lindo, porém fiquei na minha. Naquela época tinha acabado de lançar a flor de plástico e era considera algo extremamente caro e chic. Ele pegou um botão, deu um beijo e pediu para o garçom me entregar. Guardo essa flor faz 55 anos. Eu fiquei extremamente feliz, mas envergonhada, pois aquela época os tempos eram outros. Eu saí daquela lanchonete correndo e ele me seguiu até minha casa. Ele viu que eu tinha telefone e começamos a conversar. Minha mãe achava que ele era casado, naquela época ele trabalhava na CBA, em Alumínio. Saímos algumas vezes, porém meus pais não aprovaram muito o namoro, até que nos separamos. Depois de um ano eu estava estudando em São Paulo e ia até lá de Cometa, pela Raposo Tavares. Quando o ônibus parou em São Roque, vi uma cabeça loira entrando, era ele. Sentou perto de mim, fomos conversando, depois daquele dia não nos largamos mais. Hoje temos três filhos e quatro netos.
P – Como está sendo seu isolamento social?
M.D. – Terrível, não gosto de ficar em casa, eu amo ver gente, pego me arrumo toda e vou varrer a calçada. Tenho feito aulas de dança pela internet, eu já li todos os livros que tinha em casa, não aguento mais. Meu marido gosta de ficar em casa, eu sempre amei uma festa e ver gente. Não vejo a hora de poder sair. É muito triste, mais temos que nos cuidar e ter fé, pois logo tudo vai passar.
P – O nordestino ama um festa junina. Como está sendo este ano para você não poder participar desta festa tão querida por todos?
M.D. – Estou muito triste, estava com passagem já para João Pessoa, ia curtir o São João lá com minha sobrinha. Íamos fazer um tour por várias festas. Infelizmente não vai ter, o São João leva muita renda para o nordeste, o que salva são as lives, que estão sendo festas. É muito ruim não poder dançar uma quadrilha e um bom forro. Como nordestina pra mim isso tudo é muito aperreado.
P – Recentemente você se tornou palestrante. Como está sendo esta nova empreitada?
M.D. – Eu estava dando uma aula no Cefan quando uma pessoa me viu e perguntou se eu não queria fazer uma palestra sobre o uso das EPIs. Eu não sabia nem o que era, mas topei na hora. Fui estudar e fiz a palestra, que foi um sucesso. Não parei mais. Nas minhas palestras eu levo informação com alegria, através da música, e de brincadeiras, tento passar o amor próprio. A última que fiz foi no Dia Internacional da Mulher.
P – O que você espera para o futuro pós-pandemia?
M.D. – Eu acho que as pessoas vão valorizar mais as pequenas coisas. Eu, por exemplo, não vejo a hora de abraçar meus netos. Sinto falta de viajar, ir para meu nordeste e para Portugal, visitar meu filho, porém isso ainda vai demorar um pouco. Creio que as pessoas vão ficar com os corações mais abastados de carinho e amor depois que tudo isso passar.
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