O exemplo que fica (final)

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Nelson Fonseca Neto – [email protected]

Promessa é dívida. Na semana passada eu tinha prometido não enrolar os gloriosos leitores desta coluna. Eu disse que trataria da importância do exemplo, de uma ótima biografia que li recentemente e de Montaigne. Vamos nessa.

Usei, na última coluna, o caso do técnico Telê Santana. Ele fez o São Paulo ser um time vencedor porque ficava meio chato pro jogador perna-de-pau continuar falhando quando aquele senhorzinho que gostava de mascar um palito de fósforo fazia mil e uma com passes longos e cruzamentos milimétricos. Acho que fui claro. Se você não leu o texto da semana passada, leia. Se não conseguir, não tem problema. Isto aqui não é folhetim.

No fim do ano passado, ouvi algo muito interessante de um aluno. Ele disse que achava legal quando eu escrevia uma redação com eles na lousa. Eu enchia a lousa com a minha versão. Juro que não é preciosismo. Também não me vejo como um revolucionário da educação. Eu simplesmente faço a redação na lousa porque não vejo como trabalhar de outra maneira.

Eu tento deixar claro que escrever é uma das coisas mais maravilhosas desta vida. Cuidado: não estou defendendo aqui o texto meloso, entupido de adjetivos e de pura magia poética. Já deu para notar que minhas frases são curtas e que a taxa de açúcar é quase zero aqui. Sempre é bom evitar os derramamentos. Tanto faz se eles são estilísticos ou existenciais.

Ora, se eu digo que escrever é uma das coisas mais maravilhosas desta vida, é chato ficar só no gogó. E assim vou deixando a minha versão na lousa. Desnecessário dizer que aquilo ali é apenas um ponto de vista. Zero de obrigação de concordar comigo. Também não quero que eles imitem meu estilo.

Claro que não sou o mestre supremo da escrita, mas acho que me viro razoavelmente no ofício. Por treinar bastante e por estar na estrada já há algum tempo, acho que posso ser útil. Quando a turma ainda está ne conhecendo, é até engraçado. Eles tomam um susto quando encho a lousa com frases curtas e pobres de vírgulas. É que há uma concepção de escrita que é uma praga. Muita gente acha que escrever bem é recorrer à frase longa, transbordante de vírgulas. Ainda tem o lance da seleção de vocabulário. Adjetivos raros e advérbios enormes. Ninguém merece.

Não é tarefa simples quebrar o gelo. A escrita da ostentação é a muleta de quem não tem a menor familiaridade com o esquema. É uma atrocidade quando reforçada por professores. Tente explicar para um professor equivocado que a tendência é simplificar conforme os anos de prática se acumulam. Boa sorte. Você vai precisar.

Ainda bem que a moçada entende o recado. Vou repetir: não digo que a frase curta e o vocabulário espartano são valores absolutos. Eu apenas tento mostrar que há vida além dos rococós da vida. Sobra espaço para pensamentos mais cristalinos e mais ousados.

Vale a mesma coisa para a leitura. Sacanagem proferir o sermão da importância da leitura se você não gosta de ler. Conheço muita gente estelionatária a tal ponto. Nada contra o cara que não gosta de ler. Tudo contra o cara que não gosta de ler e fica atormentando a galera com palavras retumbantes. Esse tipo de estelionatário normalmente valoriza as leituras caretas, quadradas, conformadas. Pouca margem para livros encantadores.

E um desses livros encantadores aborda a vida de Michel de Montaigne, um sujeito formidável. Estou falando de “Como Viver”, escrito por Sarah Bakewell. Recomendo porque é sobre Montaigne. Recomendo porque não segue o roteirinho linear e manjado de muitas biografias. Recomendo porque tem humor e erudição. Recomendo porque o livro mostra que dá pra ser estudioso e cheio de ginga ao mesmo tempo.

Ufa, couberam aqui a força do exemplo, a biografia bacana e Montaigne. Muito obrigado pela paciência.

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