Descaso compromete tradicional réveillon da Prainha em Brasília

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    Rafaela Felicciano/Metrópoles

    Primeiro levaram partes dos adereços. Um cetro foi arrancado. Depois retiraram membros. Braços, pernas e outras partes do corpo. Por fim, atearam fogo numa estátua inteira. A imagem de Oxalá da Praça dos Orixás só não foi reduzida a cinzas graças ao aviso de um morador de rua que presenciou o atentado e chamou os bombeiros.  

    Depredações a símbolos religiosos na Prainha do Lago Paranoá são casos de intolerância contra as religiões de matriz africana no Brasil. É nesse terreno à beira lago, perto da Ponte Honestino Guimarães, que os praticantes de Umbanda e Candomblé do Distrito Federal realizam parte de seus rituais.

    “A Prainha é considerada o grande terreiro aberto das religiões de matriz afro-ameríndia no Distrito Federal. A nossa luta não é apenas para revitalizar. Queremos garantir sua manutenção”, defende Virgínia Rosa, representante do coletivo Mulheres de Axé do Distrito Federal e Entorno.

    A imagem de Oxalá queimada em abril de 2016 até hoje não foi restaurada. Outras estátuas de orixás seguem sem reparo e com partes da estrutura faltando. “Não houve nenhum interesse do poder público em reconstruir as esculturas da Prainha. Nós sabemos que a reforma não vai sair neste ano”, constata Rafael Moreira, presidente da Federação de Umbanda e Candomblé do Distrito Federal e Entorno.

    Com a proximidade das celebrações de final de ano, a questão volta a ser debatida já que o local abriga uma das festas mais tradicionais da cidade. “O sentimento de impunidade encoraja ataques às religiões de matriz africana. Esses infratores passaram a não respeitar a fé dos outros”, constata Moreira.

    Em 2006, imagens inteiras chegaram a ser arrancadas dos pedestais. Quatro anos depois, foram recuperadas e o GDF prometeu reforçar a segurança e manutenção do local. Em 2017, além da piora na conservação das estátuas, a Praça dos Orixás encontra-se em péssima condições.

    Há buracos nas calçadas, falta lixeiras e a área de estacionamento é insuficiente para a quantidade de pessoas que visitam o local na virada do ano. Mesmo apresentando uma estrutura precária, o réveillon da Praça dos Orixás (ou Prainha) atrai milhares de pessoas às margens do Lago Paroná todos os anos.

    A falta de conservação e segurança é quase sempre um fator que dificulta a realização de eventos culturais no local. Stefanie Oliveira, uma das curadoras do festival musical São Batuque, conhece bem essa realidade. O projeto existe há 10 anos e ocupou o lugar em duas ocasiões.

    É sempre uma dor de cabeça conseguir viabilizar eventos na Prainha. As medidas de conservação que normalmente são tomadas em espaços públicos simplesmente não existem por lá

    lamenta a produtora

    Por meio de sua assessoria, a Secretaria de Estado de Gestão do Território e Habitação (Segeth) do Governo do Distrito Federal (GDF) respondeu que o projeto de revitalização da área está em fase de planejamento e deve ser concluído até dezembro deste ano. Não há previsão para o início das obras de recuperação. Portanto, o réveillon deve ser realizado em meio à estátuas depredadas, tirando um pouco do brilho da festa.

    Segundo o subsecretário de Igualdade Racial do Distrito Federal, Victor Nunes Gonçalves, o processo de restauração das figuras é muito delicado. “Por se tratar de obras de um artista plástico, as estátuas só podem ser reconstituídas pelo próprio autor. É uma logística complicada, as peças têm de ser enviadas de caminhão até Salvador, onde ocorre o procedimento de restauro. Depois, devem ser devolvidas para o seu lugar de origem”, explica.

    Rafaela Felicciano/Metrópoles

    O custo da operação, segundo Gonçalves, deve girar entre R$ 350 e R$ 450 mil. O subsecretário acredita que a recuperação estrutural da Prainha será realizada em 2018. “Estamos tentando articulação intersetorial para concretizar a revitalização do local como um todo. O projeto vem sendo discutido com o poder público e movimentos sociais”, afirmou.

    O presidente da Federação de Umbanda e Candomblé do Distrito Federal e Entorno, Rafael Moreira, garante que não haverá mudanças no réveillon da Prainha: “Por enquanto, a festa continua no mesmo lugar. Estamos fechando parcerias e acordos”.

    Segundo Moreira, haverá programação diurna e noturna no dia 31 de dezembro, e a segurança da festa será intensificada. “Nós gostaríamos de contar com o reforço da Polícia Militar e redobrar a segurança particular contratada para o evento. É preciso articular com a Secretaria de Segurança Pública e Secretaria de Cultura para que isso seja efetivado”, acredita.

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