Golpes com criptomoedas têm colocado em lados opostos na Justiça a Binance, maior exchange do Brasil e do mundo, e operadoras de telefonia.
De um lado, as operadoras acusam a Binance de oferecer brechas aos golpistas. De outro, a exchange rebate e responsabiliza as telefonias pelos furtos. No meio desse conflito, estão clientes que acionaram a Justiça após terem celulares clonados e os saldos na plataforma da empresa furtados.
Ao avaliar os casos, o Judiciário tem decidido de formas divergentes.
Em um dos processos, um investidor reclamou ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que, em fevereiro deste ano, teve sua linha de telefonia na Tim invadida, com a captura de dados que permitiram aos cybercriminosos pedir à Binance uma transferência de R$ 3.158 em criptomoedas.
Em seguida, o homem relata que os fraudadores receberam um código de segurança da corretora de criptoativos e realizaram o furto.
Na ação, a Tim sustentou que a Binance, assim como outras instituições financeiras, é leniente com a segurança das operações por visar mais ganhos. A operadora defendeu que a fintech deveria, sozinha, ser responsabilizada pelas perdas do investidor.
“Quanto maior o nível de segurança exigido para o uso, menor o número de transações e, assim, menor o lucro dos bancos e dessas instituições online que cresce a cada dia. Ora, se os bancos e tais instituições têm meios de aumentar os critérios de segurança das transações, mas assim não fazem ou fazem de forma insuficiente, fica claro que privilegiam o volume de negócios, o lucro, em detrimento da segurança do usuário, pois sabem que, no saldo final, ganharão mais do que perderão”, escreveu a defesa da Tim.
Um dos braços da Binance no Brasil, a B. Fintech Serviços de Tecnologia afirmou nos autos, por sua vez, que se a operadora não houvesse falhado, o furto não teria ocorrido. “O primeiro aspecto que merece ser destacado é que o celular do autor foi clonado, por descuido da corré, Tim, e os ladrões acessaram a conta do requerente como se ele fosse.”
Nenhum dos argumentos colou. A juíza Marcela Filus Coelho, do tribunal paulista, entendeu que houve falha das duas empresas.
A magistrada ainda destacou o acesso à conta a partir de diferentes endereços de IP em relação ao que o autor usava. “Houve, portanto, falha de segurança do sistema da Fintech, fato que impõe o dever de restituir as criptomoedas furtadas”, escreve ela.
“Segundo a teoria do risco do negócio, aquele que exerce alguma atividade cria risco de dano para terceiros, e, por isso, deve reparar eventuais danos causados a estes ainda que sua conduta seja isenta de culpa, eis que prevalece a máxima ‘ubi emolumentum, ibi onus’, ou seja, aquele que onde está o ganho, aí reside o encargo”, prosseguiu Coelho.
Em um segundo caso, um cliente da Claro e da Binance pede na Justiça R$ 206 mil em danos materais e morais após ter sido vítima de um golpe conhecido como SIM Swap, em agosto do ano passado.
Na prática, o golpe consiste em o criminoso se apossar temporariamente da linha de celular da vítima, com o auxílio de alguém dentro da própria operadora, para invadir contas digitais, de e-mails a contas bancárias, para furtar valores e realizar transferências para outras contas.
Os cybercrimonsos subtraíram U$ 7.224,71, o equivalente a R$ 38,6 mil, em moedas digitais.
Em defesa, a Claro afirmou que a Binance deveria responder pelos fatos. A operadora apontou que o sistema de segurança da exchange é “frágil, pois a mesma deveria criar um duplo fator de autenticação”, o que dificultaria a ação de estelionatários.
“Assim sendo, uma vez que o App da Binance deixou de promover a segurança que se espera ao usuário ao permitir como fator de segurança a vinculação da linha telefônica móvel, ou seja, um serviço completamente diferente do prestado pela fintech, obviamente deixou de preservar pela incolumidade dos ativos do usuário”, prosseguiu.
Nesse caso, contudo, a juíza Clarissa Rodrigues Alves, da Quarta Vara Cível do TJSP, negou a inclusão da corretora no processo ao alegar que não cabe esse tipo de procedimento em processos relacionados à defesa do consumidor.
Outro lado
A Binance, a Tim e a Claro foram procurados pelo Metrópoles na manhã de sexta-feira (23/9).
Em nota, a Binance informou que não comenta processos em andamento. A empresa reforçou, porém, que segurança é prioridade e que atua em total colaboração com as autoridades locais, incluindo em eventuais investigações, para coibir que pessoas mal intencionadas utilizem a plataforma.
A exchange ressaltou, ainda, que tem uma equipe de investigação de “renome mundial”, com ex-agentes que trabalham em constante coordenação com autoridades locais e internacionais no combate a crimes cibernéticos e financeiros, inclusive no rastreamento preventivo de contas suspeitas e atividades fraudulentas.
“A Binance conta ainda com parceiros externos como a Chainalysis, empresa de análise de blockchain utilizada pelo FBI e pelo IRS (Receita Federal dos EUA), e tem oferecido treinamentos a autoridades de aplicação da lei do mundo para ajudar a difundir conhecimento e fortalecer as ações de prevenção e combate a crimes relacionados a cripto. No Brasil, por exemplo, a Binance realizou recentemente treinamentos para investigadores da Polícia Federal em Brasília e promotores do Ministério Público no Rio, e nesta semana fará uma apresentação a promotores de justiça dos grupos especializados do Ministério Público de São Paulo”, informou a exchange.
A Binance afirmou que realiza um trabalho permanente de educação e apoio aos usuários, incluindo melhores práticas de segurança.
“Embora a exchange conduza um trabalho intenso e contínuo para manter as contas seguras, os usuários têm o poder de aumentar significativamente a segurança de suas contas na Binance, adotando ações simples para conferir maior proteção a elas. Segurança é um dos principais tópicos abordados nos artigos que a Binance Academy disponibiliza gratuitamente e em diversos idiomas, incluindo português. Em caso de qualquer dúvida, o usuário deve entrar em contato diretamente com a Central de Suporte nesta página e via chat oficial”, finalizou.
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