Após momentos de hesitação sobre que tom adotar nesta retomada da campanha presidencial, militantes de Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) partiram para a mais pura baixaria no embate nas redes sociais e transformaram a corrida eleitoral em um campo minado de montagens, desinformação e notícias falsas, na tentativa de colar no adversário o carimbo de satanista.
Apesar de a campanha à reeleição de Bolsonaro ter apostado, desde o início, em um forte teor religioso, a troca de ofensas satanistas que marca o pós-1° turno está partindo principalmente da militância espontânea – e deixando as campanhas oficiais em alerta e com muitas dúvidas sobre como reagir.
A ofensiva no campo demoníaco teve início na segunda-feira (3/10), quando grupos bolsonaristas em aplicativos de troca de mensagens, como o WhatsApp, foram inundados por vídeos de um influenciador que se diz satanista declarando apoio a Lula. O vídeo ganhou alcance tão grande que obrigou a campanha petista a divulgar uma nota oficial negando qualquer relação com o satanismo e uma espécie de “santinho” (com versão digital e física) dizendo que o ex-presidente Lula é cristão e que “jamais conversou com o diabo”.
Militantes petistas responderam a essa ofensiva associando Bolsonaro à maçonaria, que nunca se identificou como uma organização satanista, mas que sofre de uma fama bastante negativa entre religiosos mais radicais. Um vídeo antigo de Bolsonaro fazendo campanha em uma loja maçônica viralizou nas redes e grupos, assustando principalmente eleitores evangélicos. O caso obrigou a militância bolsonarista a voltar esforços para defender o candidato à reeleição.
Batalha de influencers
Apoiadores de Lula e Bolsonaro que contam com milhões de seguidores nas redes, os chamados influencers digitais, já perceberam que essa espécie de guerra diabólica se tornou um dos principais temas da campanha e já estão com seus times em campo para defender seus candidatos.
O youtuber Felipe Neto, por exemplo, usou suas redes para fazer uma postagem defendendo Lula de acusações nos campos moral e religioso: “Coisas que você precisa saber: 1) presidente não pode liberar drogas e Lula não discursa isso; 2) Lula é cristão”.
Ele foi rebatido em seguida por Nikolas Ferreira (PL-MG), que acaba de ser eleito o deputado federal mais votado no país. O mineiro fez um vídeo no Instagram contestando o influencer lulista e acusando Lula de ser anti-cristão.
Reação religiosa dos candidatos
Após calcular o prejuízo da ofensiva bolsonarista, a campanha de Lula resolveu desistir da postura adotada no 1º turno, de evitar um embate religioso direto, e está se esforçando para mostrar que o petista nada tem contra religiosos.
Nesta terça (4/10), dia de São Francisco para os católicos, Lula visitou frades franciscanos em São Paulo para um ato de campanha, mas deixou claro que não se sente confortável em usar a fé para fazer política.
“Eu não gosto de fazer nenhum gesto que possa parecer que eu estou utilizando a religião para fazer política. Eu gosto de professar a minha fé na minha intimidade, eu não gosto de ficar fazendo carnaval”, discursou o petista, que também lembrou o bate boca com o candidato Padre Kelmon (PTB) no último debate antes do 1º turno.
“Vocês viram que no último debate eu fui obrigado a falar algumas coisas que alguém não queria que eu falasse, mas eu não podia permitir que aquilo continuasse fosse normal. Em nome de Deus, eu tive que dizer algumas coisas que, na verdade, quem diria ter dito era o organizador do debate, os partidos”, disse ele. “Para mim, a fé é uma coisa sagrada. A minha espiritualidade, eu levo ela muito a sério. Eu gosto de fazer as coisas com muita verdade dentro de mim”, completou Lula.
No mesmo dia, Bolsonaro, que sabe que o vídeo na loja maçônica está pegando mal, voltou a fazer campanha em uma igreja evangélica. O candidato à reeleição viajou a São Paulo para participar da Convenção Fraternal das Assembleias de Deus no estado e também tinha na agenda uma reunião com obreiros e pastores da Assembleia de Deus Madureira.
No culto, Bolsonaro pediu que fiéis não se “omitam” e não caiam no “canto da sereia” do “lado ruim”. “Estavam todos contra mim, a esquerda, os institutos de pesquisas, a mídia, alguns magistrados togados”, afirmou o candidato do PL sobre o primeiro turno das eleições 2022.
Maçonaria
No centro da polêmica com o atual chefe do Executivo, a maçonaria contraria a Igreja Católica. Até 1983, o católico que frequentasse reuniões da organização era excomunhado. Desde então, a pena é um interdito, o que impede o fiel de comungar e confessar.
Autoridades católicas afirmam que há uma inconciabilidade intrínseca à própria natureza de ambas as instituições. “Os fiéis que pertencem às associações maçônicas estão em estado de pecado grave e não podem aproximar-se da Sagrada Comunhão”, diz documento oficial do Vaticano, aprovado pelo papa João Paulo II.
Organizações maçonicas, no entanto, negam que há contradição entre seus princípios e aqueles da igreja. Segundo a Maçons Brasil, não há qualquer princípio religioso na maçonaria, mas seus participantes devem reconhecer a “existência de um único princípio criador, regulador, absoluto, supremo e infinito ao qual se dá, o nome de Grande Arquiteto do Universo”.
“A Maçonaria não é uma religião. É uma sociedade que tem por objetivo unir os homens entre si. União recíproca, no sentido mais amplo e elevado do termo. E nesse seu esforço de união dos homens, admite em seu seio pessoas de todos os credos religiosos sem nenhuma distinção”, declara a organização.
“Guerra santa”
O cientista político Rodolfo Marques, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), afirma que os debates com temática religiosa entre os candidatos subiram de tom, principalmente, após Bolsonaro levantar a pauta dos costumes.
“Acredito que a a religião ganhou grande dimensão nessa eleição assim como foi em 2018 muito puxada pela própria campanha de Bolsonaro. Ele bate muito nessa tecla de ‘Deus acima de todos e o Brasil acima de tudo’”, explica.
A religião ganhou ainda mais relevância nesta eleição após a participação do candidato Padre Kelmon (PTB) na reta final do primeiro turno. Nos debates, o postulante repetiu que ele e Bolsonaro eram os únicos cristãos na corrida eleitoral, e questionou o posicionamento de Lula como cristão.
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