“Nós mulheres temos a impressão de que denunciar não vai mudar nada. O sentimento de impunidade é muito grande nos casos de importunação sexual”, desabafa Sarah Peres, 31 anos. Há cerca de um ano, a jornalista flagrou um homem se masturbando na Rodoviária do Plano Piloto ao lado dela, enquanto ela tentava embarcar em um ônibus.
A mulher conta que estava saindo de um plantão no trabalho, por volta das 17h de um domingo, quando presenciou cena na plataforma superior.
“Eu vi ele com as mãos nas calças observando uma jovem que estava na parada de ônibus. No primeiro momento, fiquei sem reação, mas resolvi tirar uma foto dele e alertar a vítima sobre o ato libidinoso”, relembra Sarah.
De acordo com a jornalista, na tentativa de afastar o homem do local e pedir ajuda, ela começou a gritar para que outras pessoas se mobilizassem. “Parece que nessas horas só a palavra da mulher não tem valor. As pessoas ficaram me olhando como se eu fosse louca, e o autor da importunação me observava com desdém. Ninguém fez nada”, lamenta.
Após muitos gritos de indignação, Sarah conseguiu que o homem fosse embora da parada de ônibus. Porém, para ela, o sentimento de impunidade permaneceu.
“Mesmo com a foto do cara se masturbando e a presença de testemunhas, eu não segui em frente com a denúncia, pois a gente tem a impressão que não vai dar em nada. Vai ser um trabalho em vão em busca da Justiça”, argumenta a jornalista.
Aumento dos casos no DF
O caso de importunação sexual vivenciado por Sarah é uma triste realidade de mulheres que presenciam e são alvo de atos libidinosos em áreas públicas da capital federal.
Somente nos primeiros dois meses deste ano, a Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF) já registrou 90 ocorrências deste do tipo. Em média, a cada 15 horas, uma pessoa é vítima de importunação sexual no DF.
Para o consolidado de 2022, os índices apontam 629 ocorrências para a referida natureza delituosa, em todo o DF. Entre janeiro e dezembro de 2021, foram 550 registros.
Os números apontam a tendência de aumento nos casos de importunação sexual nos últimos dois anos. Para o especialista em segurança pública Moisés Martins, esse crescimento está atrelado ao registro de denúncias.
“Eu percebo que falta uma maior publicidade por parte dos órgãos públicos em reforçar que esse tipo de conduta é um crime que pode levar o indivíduo a ser preso. Quando a vítima tem conhecimento da norma, ela vai atrás da garantia dos seus direitos. A cultura que faz prevalecer esse tipo de conduta libidinosa tem que mudar, pois não há impunidade”, argumenta o especialista.
O especialista destaca, ainda, que a inclusão desta prática no Código Penal Brasileiro (CPB) é recente. Foi a partir de um caso de repercussão nacional, em 2018, que a Lei 13.718/2018 adicionou a importunação sexual no artigo 215-A do CPB.
“Antes da alteração legislativa, quem praticava esse tipo de transgressão era punido com penas mais leves, como assinatura de termo de compromisso ou serviço comunitário. Hoje, a prática da importunação sexual prevê pena de reclusão de 1 a 5 anos”, comenta Moisés.
Segundo a SSP, o registro de ocorrências por parte da população é importante para subsidiar a elaboração de estudos e manchas criminais com dias, horários e locais de maior incidência de cada crime, entre outras informações relevantes para o processo de investigação.
“Estes levantamentos são utilizados na elaboração de estratégias para o policiamento ostensivo da Polícia Militar do DF (PMDF), bem como para a identificação e investigação por parte da Polícia Civil do Distrito Federal”, diz a pasta, em nota.
A Secretaria de Transporte e Mobilidade (Semob) promove campanhas educativas para evitar ações de assédio sexual dentro dos ônibus no Distrito Federal. Motoristas e cobradores são orientados a conversar com a vítima para que ela faça o registro da ocorrência. Além disso, desde 2019, por meio das portarias 96/219 e 170/2020, as empresas são obrigadas a encaminhar as imagens gravadas de crime ocorrido dentro dos coletivos à Polícia Civil, no prazo de 24 horas. A medida tem o objetivo de auxiliar a PCDF nas investigações e inibir a prática de assédio sexual, assaltos e furtos durante as viagens.
Importunação sexual x assédio
Conforme prevê o CPB, a importunação sexual trata-se da prática contra alguém e sem a sua permissão de ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro.
Já o assédio sexual é configurado nos casos em que há o constrangimento de um indivíduo com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da condição de superior hierárquico inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.
Confira a seguir o que configura a importunação sexual:
Caio Ayres/ Arte Metrópoles
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A coordenadora do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres da Defensoria Pública do DF (DPDF), Antonia Carneiro, avalia que é preciso trabalhar com as vítimas a compreensão de que essa violação da liberdade sexual da mulheres representa um crime que deve ser denunciado, em primeiro lugar.
“No caso da Sarah, ela já fez algo muito bom, porque tirou a foto, ou seja, tem um elemento material, além das testemunhas. Percebemos ainda que, as mudanças e alterações legais no CPB, são no sentido de proteger as vítimas e penalizar o acusado, desde que o primeiro passo seja a denúncia, para que o caso chegue nas instituições responsáveis e seja investigado”, ressalta Antonia.
Papel da DPDF
Antonia Carneiro explica que a Defensoria Pública pode atuar desde a orientação jurídica até o esclarecimento de dúvidas quanto aos direitos das mulheres em casos de importunação sexual.
Os atendimentos presenciais na DPDF ocorrem no Fórum Desembargador Milton Sebastião Barbosa, Praça Municipal, S/N, Bloco B, Ala A, Sala 109 Térreo, no Setor de Indústrias Gráficas (SIG).
Considerando o caráter urgente das demandas do plantão, o atendimento também pode ser realizado remotamente pelo WhatsApp: (61) 9 9359-0015.
Canais de denúncia
O Distrito Federal tem uma série de canais de denúncia para registro de violência. Eles atendem os mais variados tipos de crimes e também oferecem acompanhamento especializado para cada situação, segundo o Tribunal de Justiça do DF (TJDFT).
Entre eles estão disponíveis os canais da PMDF, pelo 190, e a Central de Atendimento à Mulher, pelo 180. Há também o Disque Denúncia, pelo telefone 197, e diversas delegacias especializadas.
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