MPDFT recorre de decisão da Justiça que absolveu dono do Bambambã

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O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) recorreu da decisão da Justiça que absolveu, em segunda instância, o dono do bar Bambambã da acusação de estupro, denúncia revelada pelo Metrópoles. Em ação nesta quarta-feira (7/6), a Coordenação de Recursos Constitucionais do MPDFT entrou com embargos de declaração contra a decisão, ressaltando que o “juízo de gradação da recusa da vítima de crime sexual” não existe no Código Penal.

O órgão recorreu após a 3ª Turma do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT) invalidar o depoimento de duas das 12 mulheres que acusam Gabriel Ferreira Mesquita, dono do bar Bambambã, localizado na quadra 408 da Asa Norte, de estupro e absolver o réu em dois dos três processos ao qual responde por abuso sexual. Ele havia sido condenado, em agosto de 2022, a seis anos de prisão em regime semiaberto. Apesar das decisões, cabe recurso em ambos os casos.

Segundo o MPDFT, a decisão da Justiça cita uma “ausência de constrangimento da vítima, por entender que sua recusa ao sexo anal deveria ter consistido em reação séria e efetiva, o que não teria ocorrido na hipótese em apreço”, mas “somente a recusa ‘séria e efetiva’ denotaria o não consentimento da vítima, sendo irrelevante a recusa ‘normal’ para o ato”.

Entenda o caso

No acórdão, publicado em 26 de maio, os desembargadores Demétrius Gomes Cavalcanti, Nilsoni de Freitas Custodio e Jansen Fialho de Almeida disseram que, no caso em questão, “os elementos que constam nos autos” não são suficientes para “uma condenação criminal”.

“Verifica-se que os elementos de convicção dos autos não demonstraram, de forma robusta e inconteste, que o réu praticou sexo anal com a vítima, constrangendo-a, mediante violência ou grave ameaça. Além disso [não há provas] de que o réu tivesse a inteira compreensão de que a vítima passou a se opor de forma séria àquilo que ele fazia, não restando caracterizado, portanto, o dolo. Impondo-se, assim, a sua absolvição por atipicidade da conduta”, declararam os magistrados.

Para os desembargadores, pelo fato de a vítima não ter conseguido reagir ao suposto estupro, o acusado poderia não ter “a inteira compreensão de que ela passou a se opor àquilo que ele fazia”: “Embora possa ter sido doloroso para ela, não constitui delito”.

“Todavia, como dito, para que seja configurado o crime de estupro é necessário que a vítima seja constrangida, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ela se pratique outro ato libidinoso. Manifestando, dessa forma, inequívoca recusa, sendo certo que, no caso, tais elementos não restaram comprovados indene de dúvidas, como se extrai das próprias declarações da vítima, que disse que, em determinado momento, apenas esperou o ato acabar”, mencionaram os magistrados.

Conforme consta no acórdão, além da falta de reação da vítima durante o suposto abuso, uma troca de mensagens entre os dois com o objetivo de marcar novos encontros  influenciaram na decisão contrário à denúncia de estupro.

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Em agosto de 2022, a 2ª Vara Criminal de Brasília condenou o empresário a seis anos de prisão em regime semiaberto. Todavia, os desembargadores discordaram do juiz de primeira instância, pois, consideraram que ele não havia apreciado todas as provas apresentadas pela Defesa Técnica e reverteram a condenação.

Procurada, a assistente de acusação e advogada da vítima, Manuela Paes Landim, disse que nunca viu um posicionamento como o dos magistrado em 10 anos de carreira. “Em mais de uma década atuando como advogada, jamais vi uma pena alta [Gabriel havia sido condenado a 6 anos] baixar para absolvição unânime em um caso tão grave. Recorreremos a todas as instâncias superiores em todos os processos e não desistiremos até que justiça seja feita. Chega a ser estapafúrdia a sentença”, desabafou.

“Em um caso tão emblemático, onde mais de dezenas de mulheres me procuraram para relatar situações parecidas com o mesmo homem, é lamentável que os magistrados não tenham considerado elementos fundamentais em nossa acusação. Todos perdem na conquista de uma justiça em busca de uma sociedade mais igualitária, homens e mulheres”, pontuou Manuela.

Os advogados de Gabriel, Bernardo Fenelon e Raíssa Isac, disseram que, “por respeito ao Poder Judiciário do Distrito Federal, farão manifestações apenas nos autos do processo”.

“Beijo na virilha não é estupro”

Durante uma segunda audiência, que ocorreu em abril deste ano, ao absolver Gabriel, o juiz Carlos Bismarck Piske de Azevedo Barbosa disse que o réu não teria violado a vítima ao “beijá-la” – mesmo sem permissão – da coxa à virilha enquanto ela dormia. Segundo ele, a prática não configura sexo oral, e, consequentemente, não caracterizaria um estupro.

“A vítima foi muito clara em afirmar que acordou com o réu beijando sua coxa e subindo com os beijos até sua virilha. Sexo oral é a atividade sexual onde há contato entre a boca ou língua com os órgãos genitais de outra pessoa com o fim de provocar excitação ou prazer sexual. Não houve contato entre a boca ou língua do réu com a vagina da vítima. A acusação foi bem específica quanto à conduta imputada ao réu, no caso, o de praticar sexo oral na vítima. Não há imputação de beijos na coxa ou virilha contra o réu – atos estes que não constituem sexo oral”, disse o magistrado.

Ainda na sentença, o juiz sugeriu que as lembranças da vítima quanto ao que ela teria sofrido podem ter sido “contaminadas por falsas memórias”: “Ademais, chama atenção o fato de a vítima ter vivido anos sem ter dado a devida dimensão a tão odiosos atos que ora são imputados ao réu, até que teve contato com os relatos de vítimas de abusos sexuais por parte do réu nas redes sociais”.

“Não é incomum o relato aterrorizante de terceiros macularem a memória de indivíduos”, declarou. “No presente caso, chama a atenção de alguns elementos que podem indicar uma contaminação da memória da vítima”, disse.

Finalizando o seu posicionamento, o magistrado lembrou que a “denúncia narra que o réu praticou conjunção carnal, tendo praticado a penetração na vítima”. Contudo, conforme informou, “tocar o pênis na coxa ou na lateral da bunda da vítima não é penetração”.

“O réu não penetrou a vítima, não manteve conjunção carnal com ela, mas teria encostado seu pênis em alguma outra região do corpo da vítima que não a vagina ou seu ânus”, pontuou o juiz.

Ao absolver Gabriel, o julgador declarou que a versão apresentada pela vítima “mudou radicalmente” entre o depoimento prestado perante a autoridade policial e aquela prestada em juízo: “Na fase inquisitorial a vítima narrou a prática de sexo oral e de penetração contra sua pessoa, afirmações essas desmentidas em juízo, onde a vítima afirmou ter ocorrido beijos em sua coxa e virilha e toques do pênis em sua coxa ou lateral da bunda”.

O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios recorreu da decisão.

Casos anteriores

Metrópoles contou com exclusividade relatos de vítimas de Gabriel. Catorze mulheres conversaram com a reportagem e detalharam histórias de horror e trauma provocadas pelo estuprador, que cometia os crimes após dopar as vítimas.

“Aconteceu em uma noite após o aniversário de um amigo. Ele me levou até o quarto, onde, inicialmente, consenti a relação. Quando terminamos, e após certo tempo, adormeci. No meio da madrugada, no entanto, fui acordada de forma extremamente violenta, com ele me virando de bruços e forçando sexo anal”, relatou Maria*, uma das vítimas.

Dono de bar na Asa Norte é acusado de estupro por ao menos 12 mulheres

Amigos do dono do Bambambã também ressaltaram o perfil agressivo do empresário. “Conheci o Gabriel ainda na juventude; inclusive, chegamos a morar juntos. Ele era uma pessoa envolvente e agradável, mas agressivo e violento quando confrontado”, descreveu um colega, que não quis se identificar.

“Ele falou uma ou duas vezes sobre ter tido relação sexual consentida com uma mulher e, no meio do ato, ter partido para o sexo anal sem permissão da parceira. E teria achado o máximo”, completou o conhecido.

Em agosto de 2022, a 2ª Vara Criminal de Brasília condenou Gabriel a seis anos de prisão por um processo de 2018. Na denúncia, o réu foi acusado de forçar sexo com a vítima, aproveitando que ela estaria embriagada e sem condições de reagir.

*Nome fictício para preservar a identidade das vítimas

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