Crítica: Paraíso Perdido é uma poesia sentimental sobre o amor livre

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    O filme Paraíso Perdido, da cineasta Monique Gardenberg, nada tem a ver com a imagem plácida de onde os pais da humanidade foram expulsos. No longa, com estreia prevista para 31 de maio, a ideia do Éden é ressignificada. Em vez de excluídos, os pecadores – perante as primitivas convenções sociais – são acolhidos. Com uma narrativa que dispensa as minuciosas explicações, a obra se desenrola por meio dos sentimentos, sempre embalados por uma nostálgica trilha sonora de derreter os corações.

    A história se passa em uma boate no centro da cidade de São Paulo. O inferninho familiar, de mesmo nome da produção, é comandado pelo patriarca José, figurão interpretado pelo tremendão Erasmo Carlos. Ex-professor universitário, o dono do estabelecimento se esforça para manter coesa a linhagem que, em comum, tem apenas o amor mútuo.

    Enquanto a primogênita, Eva (Hermila Guedes), cumpre pena capital por assassinato, o restante da prole reveza-se no palco do templo da música brega. Os dramas dos personagens passam a ser contados a partir do olhar de Oldair (Lee Taylor), um policial civil contratado para proteger a drag queen Imã (Jaloo), constantemente vítima de ataques homofóbicos.

    Além de sofrer com a violência, Imã envolve-se com Pedro, vivido por Humberto Carrão. O rapaz, professor de inglês e pai de uma menina, luta contra os próprios instintos e o desejo reprimido pela artista de bela voz. Celeste (Julia Konrad), por sua vez, engravida do namorado, o infiel Joca (Felipe Abib), e enfrenta o dilema do aborto.

    Fora da boate, Oldair mora com a mãe, Nádia (Malu Galli), uma deficiente auditiva com passado entrelaçado ao de Angelo (Julio Andrade), um dos filhos de José. O segurança vai, aos poucos, ganhando espaço na dinâmica da família, principalmente quando Eva sai do cárcere em condicional. O relacionamento amoroso do policial e da ex-presidiária ganha um novo agente quando a amante de Eva na prisão, Milene (Marjorie Estiano), também é solta.

    Elenco afinado
    A experiência de Monique em comandar grandes e espetaculares atores não é de hoje, mas ressalta-se em Paraíso Perdido. Não é fácil para nenhum diretor costurar tantos desdobramentos, sem deixar o fio da meada se perder. Mas a diretora de Ó Pai, Ó (2007) e outras preciosidades, como Jenipapo (1996), consegue distribuir a dose certa de afeto a cada um dos personagens.

    Um dos talentos mais completos da nova geração, o cantor e compositor de música eletrônica Jaloo dá show em sua estreia como ator. Em aparições esporádicas, mas de alto nível, Erasmo Carlos também não poderia escolher melhor retorno às telonas.

    Seu Jorge dá a pitada certa de humor e protagoniza um momento daqueles nos quais a risada sempre segue de um silêncio reflexivo. Ao participar de um teste para novos atores, o músico da boate é questionado se já havia atuado antes. “Já fingi de morto, para não levar tiro”, responde, com honestidade desconcertante.

    Vitrine filmes/Divulgação

    Jaloo consegue estreia consistente nas telonas


    Trilha sonora de Zeca Baleiro
    A trilha sonora assinada pelo cantor e compositor Zeca Baleiro é uma atração à parte. Nada melhor que um bom brega para corroborar a narrativa e envolver temas como traição, vingança e paixão.

    No repertório, estão presentes canções dos principais nomes do brega – desde Márcio Greyck, passando por Odair José, Reginaldo Rossi, Belchior e Paulo Sérgio até Raul Seixas e Roberto Carlos. Cada faixa conduz a memória afetiva não só dos atores, mas faz os saudosistas nas poltronas cantarolarem cada famoso refrão.

    Paraíso Perdido propõe um olhar cheio de doçura às novas configurações familiares. Sem a chatice de maniqueísmo, autoafirmação ou forçação de barra, cada tipo é o que é.

    Avaliação: Ótimo

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