Felipe Lara: ‘Na minha música não há limites’

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‘Na minha música não há limites’
Lara também é autor de “Ó”, uma peça com texto de Nuno Ramos, encomendada pela Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp). Crédito da foto: Hugo Glendinning / Rolex / Divulgação

O sorocabano Felipe Lara é o responsável pela trilha sonora do filme “A fera na selva”, dirigido e protagonizado pelos conterrâneos Paulo Betti e Eliane Giardini, que permanece em cartaz até a próxima quarta-feira na sala 7 do Sorocaba Shopping.

Radicado nos Estados Unidos há 20 anos, onde obteve título de mestre e doutor em composição e atua como professor do Departamento de Música da Universidade de Nova York, Lara também é autor da obra “Ó”, uma peça com 30 minutos de duração, com texto do escritor e artista visual Nuno Ramos, para narradores, coros, orquestra de câmara e eletrônica.

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A produção foi encomendada pela Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp) e teve estreia mundial no mês passado.

Lara conversou com o Mais Cruzeiro e falou da amizade e parceria com Paulo Betti, de suas inspirações para compor a trilha de “A fera na selva” e do desafio e a emoção de compor para a Osesp, considerada uma mais respeitadas orquestras do Brasil e do mundo.

Mais Cruzeiro: Para começar, gostaria que você contasse como surgiu a oportunidade assinar a direção musical de “A fera na selva”?

Felipe Lara: Na verdade, é uma história curiosa. Em 2010 tive uma matéria grande de destaque na capa da Folha de São Paulo, no Ilustrada, onde descrevia minha trajetória, trabalho recente, encomendas, prêmios etc. Alguns dias depois, recebi um e-mail do Paulo Betti, apenas me felicitando e entusiasmado pelo fato de eu ter nascido em Sorocaba.

Ao contar o caso para minha mãe, ela mencionou que o meu avô, Dr. Nilton, quando vivo, conhecia e era admirador do trabalho do Paulo Betti no teatro. Papo vai, papo vem com o Paulo, ele me contou diversas histórias que envolviam meu avô, inclusive mencionando que a primeira vez que o Paulo andou de carro foi no carro do meu avô!

Assim ficamos amigos, o visitei no Rio de Janeiro, conheci as filhas dele que hoje considero amigas queridas e ele também me visitou em Nova York algumas vezes. Desde o princípio ele me falava desse sonho de revisitar “A fera na selva”, que ele já tinha interpretado no teatro, mas desta vez no cinema, e que gostaria que eu trabalhasse na trilha.

Assim fomos trocando ideias e quando chegou a hora realizamos essa colaboração.

M.C: Como foi o processo de composição da trilha do longa e em que procurou se inspirar?

F.L: Eu utilizei obras compostas antes do filme, mas as adaptei, editei e transformei radicalmente para as customizar às particularidades do filme. São duas obras principalmente: “Ventos uivantes” para flauta, clarinete, fagote, violino, viola, violoncelo e “Fringes” para 22 instrumentistas.

Eu procurei encontrar dentro delas momentos de suspense, no sentido do filme, onde algo terrível ou fantástico está prestes a acontecer, procurei me inspirar apenas no filme, na história, na belíssima poesia do filme.

‘Na minha música não há limites’
“A música está lá para ajudar a contar a história, para acentuar o drama, complementar o filme”. Crédito da foto: Divulgação

M.C: E o que significa para você compor trilha de um longa rodado inteiramente na região onde cresceu?

F.L: Foi realmente muito emocionante. Não apenas o fato de ter sido rodado na região, mas por ter laços muito profundos com a cidade da família da parte da minha mãe, com meu avô, com as circunstâncias tão especiais em que construíram minha amizade com o Paulo, pelo que Sorocaba significa para ele e ele para Sorocaba. Foi realmente um dos vários aspectos fascinantes do projeto para mim.

M.C: Para você há diferenças entre compor trilha de filme e peças para concerto? São desafios diferentes?

F.L: Sem dúvida nenhuma, ao meu ver, não poderiam ser mais distintos. No caso da trilha, eu não estou fazendo música, mas sim cinema; mas além disso, se trata de entregar um “produto” para um cliente, que tem suas próprias expectativas e demandas.

A música neste caso está lá para ajudar a contar a história, para acentuar o drama, complementar o filme. Na minha música eu sonho e faço completamente tudo que quero, não há cliente, não há limites, quem faz a encomenda espera que eu seja completamente livre.

Mas o que é interessante nesse projeto é que o Paulo me procurou baseado na minha música de concerto, pelo que a minha música de verdade já representava. Então, quem sabe há uma dança interessante entre os dois lados.

M.C: – Deixando o filme um pouco de lado, eu gostaria que você falasse um pouco sobre a obra “Ó”, encomendada pela Osesp. Li que você a considera “inclassificável” a exemplo da obra homônima de Nuno Ramos. É, até aqui, a sua obra mais complexa e desafiadora?

‘Na minha música não há limites’
“O meu ‘Ó’, não é obra coral, sinfônica, operática, concreta, mas tudo isso simultaneamente”. Crédito da foto: Hugo Glendinning / Rolex / Divulgação

F.L: Sim. O “Ó” foi um grande e desafiante projeto que escrevi entre 2010-2014, mas cada projeto que realizo é um desafio, tento sempre habitar espaços criativos, técnicos, musicais e expressivos onde jamais visitei. Com o “Ó” não foi diferente.

Mas sim, é verdade que foi escrita para um grupo bastante grande de mais ou menos 110 músicos, sendo oito narradores/cantores amplificados; dois coros, orquestra, incluindo guitarras elétricas e sons pré-gravados (voz do Nuno lendo trechos do “Ó”, gravações do coro e sons concretos de objetos encontrados na Mata Atlântica, gravados com crianças de escola pública e organizados por ativistas/artistas do Espaço Cultural Ventos Uivantes).

A peça dura 30 minutos contínuos. Eu quis manter essa qualidade inclassificável do livro do Nuno, mas também do seu trabalho como artista plástico. O meu “Ó”, não é obra coral, sinfônica, operática, concreta, mas tudo isso simultaneamente.

Eu uso o primeiro “Ó” do livro (poema) como texto principal e utilizo várias outras partes do livro que ao saturarem o texto criam uma dança entre sua claridade e ininteligibilidade. Assim como o “Ó” do Nuno, a minha peça tem essa relação elástica entre a linguagem em si e a matéria, entre a semântica do texto e sua forma puramente linguística/sonora.

O livro é composto de 7 “Ós” (poemas) e textos extremamente ricos que não são contos, ensaios, vinhetas, mas tudo e nada disso ao mesmo tempo.

M.C: Que sensação teve quando “Ó” foi executada pela primeira vez pela Osesp?

F.L: Foi realmente um dos grandes momentos da minha carreira; o fato de apresentar uma obra tão complexa e importante, baseada num texto tão rico, na cidade em que cresci, São Paulo, com a melhor orquestra da América Latina, numa das grandes salas de concerto do mundo, em três dias completamente lotados, foi extremamente emocionante.

A cada apresentação eu via a minha vida e carreira inteira passar pelos meus olhos e ouvidos. Recebi muito amor e apoio da orquestra, público, coro, solistas e direção; foi realmente muito especial. (Felipe Shikama)

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