Passada uma semana do suposto acordo extrajudicial selado entre a Prefeitura de Sorocaba, por meio da Urbes Trânsito e Transporte, e o Sindicato dos Rodoviários de Sorocaba e Região que resultou na retomada de 40% da frota do transporte municipal — contrariando a determinação judicial que previa o mínimo de 60% no horário de pico –, nenhuma das partes apresentou publicamente cópia do documento, solicitado pelo jornal Cruzeiro do Sul.
Desde a última quarta-feira, o acesso da população ao coletivo tem sido restrito somente a pessoas que exercem serviços essenciais que devem ser “comprovados” mediante apresentação de documento, como crachá ou Carteira de Trabalho. Para conseguir embarcar no ônibus ou acessar os terminais, os passageiros precisam são submetidos à “análise” de fiscais de bordo ou dos próprios motoristas.
Apesar de afetar a normalidade do funcionamento de um serviço público e essencial que é o transporte coletivo municipal, o Sindicato dos Rodoviários, como já tem agido há alguns dias, ignorou as demandas enviadas pela reportagem. Já a Prefeitura de Sorocaba divulgou uma nota, que, no entanto, não responde pontualmente aos questionamentos direcionados à prefeita Jaqueline Coutinho (PSL).
Na nota, a Prefeitura afirma que o acordo levou em consideração o momento de calamidade pública decretado pela prefeita por causa da pandemia do novo coronavírus, mas não explica porque cedeu à pressão dos sindicalistas, mesmo depois de uma carta aberta da prefeita, na qual classificou a paralisação da categoria como um ato de “radicalismo e ilegal”.
A Prefeitura reitera que o isolamento social é necessário para se evitar a propagação do Covid-19 e admite que conforme foi detectado, houve uma queda de demanda de passageiros na ordem de 43%, se comparado a um dia útil normal. Isto é, seria então necessário a operação de 60% da frota para manter o atendimento normalizado no atual momento. “Dessa forma, 40% do transporte coletivo está em operação, especialmente para atender os profissionais que trabalham nos setores essenciais. Tal medida de redução foi, inclusive, adotada por várias cidades do país, visando contribuir com o isolamento social.”
A administração municipal acrescenta que o transporte coletivo, “ainda que seja um serviço que preze pela isonomia e pelo direito de ir e vir das pessoas, deve ser utilizado, neste momento, por esses profissionais [de serviços essenciais], que são tão importantes para este momento pelo qual atravessamos”, assinala.
O advogado especialista em administração pública, Jomar Bellini, classificou a situação como “anômala”, e que não possui respaldo no direito administrativo. Segundo ele, seria legítimo se o sindicato sugerisse por exemplo, medidas de prevenção do contágio aos trabalhadores e usuários ou uma eventual alteração da grade de horários, mas jamais impor as suas condições às empresas de ônibus e ao poder concedente, neste caso, a Prefeitura.
“O que está acontecendo é uma situação anômala. Não vou falar esdrúxula porque estamos numa situação de calamidade pública, de pandemia. Mas fosse uma situação normal seria esdrúxula em que os empregados determinam aos patrões e aquele que concede, como deve ser realizado o serviço”, diz o advogado.
Repercussão na Câmara
O jornal Cruzeiro do Sul buscou repercutir o acordo e a abordagem dos fiscais e motoristas aos munícipes junto na Câmara Municipal e convidou todos os líderes partidários a se manifestarem.
O presidente da Câmara, Fernando Dini (MDB), relativizou a situação anômala do acordo dizendo que ele foi firmado entre as partes “num momento de grande dificuldade e pressão”, para a volta imediata dos ônibus, a fim de não prejudicar justamente os serviços essenciais. Sobre a triagem que vem sendo feita aos passageiros, o presidente da Câmara foi mais enérgico. “A Câmara é absolutamente contra essa situação. Não podemos admitir que essa situação se concretize, se perpetue para os próximos dias. Precisamos urgente resgatar o nosso transporte, para que atenda a todos de maneira sem restrições”, defendeu.
O vereador Fausto Peres, do Podemos, destaca que o momento exige isolamento social sempre que possível, como forma de prevenir a proliferação da Covid-19, mas classifica como “inadmissível o sindicato exigir que seja mantida apenas 40% da frota, por conta disso, diversas linhas estão sofrendo com lotação nos horários de maiores movimentos”. O parlamentar defendeu que sindicato da categoria cumpra com a ordem judicial de manter 60% da frota, “porém com medidas para garantir a saúde e segurança dos motoristas, agentes de bordo e passageiros”.
As medidas propostas, segundo ele, são Isolamento de dois metros entre o motorista e os passageiros e a liberação de entrada de passageiros pela porta traseira.
Alinhado à posição do executivo municipal, o líder do MDB na Câmara, Hudson Pessini afirmou que defende que a redução da frota em operação é necessária para evitar um colapso no sistema de transporte público da cidade, já que a demanda por ônibus em circulação caiu, porém criticou a forma como tem sido feito a triagem do acesso dos passageiros. “Não é dever nem direito do sindicato decidir quem usa ou quem deixa de usar o transporte público”.
O parlamentar emedebista disse que seu gabinete recebeu denúncias de munícipes sobre supostos abusos e encaminhou à Urbes para providências.
O vereador João Donizeti Silvestre, líder do PSDB na Câmara, afirma que entende que população deve ser atendida, principalmente neste momento complexo e delicado da pandemia. “Diante desse desafio, nosso mandato acionou a GCM no último final de semana, para que nos terminais, a população tivesse sua entrada garantida”.
Já em relação aos 40 ou 60%, ele acredita que o Comitê de Crises da Prefeitura, juntamente com o da Câmara Municipal, precisa avaliar diariamente a demanda, com a finalidade de entender se é suficiente ou não a quantidade de ônibus/viagens que se encontra em circulação.
A vereadora Fernanda Garcia, do Psol, afirma que em uma pandemia dessa proporção, os governantes deveriam seguir as orientações da comunidade científica ao invés de sucumbir a interesses econômicos. “Com a normalidade no funcionamento do transporte coletivo, a política de isolamento social não será respeitada. Se uma entidade de classe precisou agir para garantir o protocolo de saúde, é sinal que há um atraso na tomada de decisões do Poder Executivo, e isso é extremamente preocupante”, considera.
Até o fechamento desta reportagem, os vereadores, líderes dos respectivos partidos, não responderam aos questionamentos da reportagem: Silvano Júnior (PV), Irineu Toledo (Republicanos), Pastor Apolo (PSB), Renan Santos (PDT), Wanderlei Diogo (PSC) e Francisco França (PT). (Felipe Shikama)
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