Gaúcha da cidade de Rio Grande (RS), a travesti Aria Rita vem conquistando milhares de fãs e seguidores. Mas, engana-se quem, por preconceito ou desinformação, achar que ao pesquisar pela jovem na internet irá encontrar mais uma cantora e performista de funk ou pop. O “lance” da musicista, de 22 anos, é a música antiga — como são chamadas todas as composições feitas antes do ano 1750 —, com instrumentos dedilhados históricos, a exemplo do alaúde.
Para bancar o sonho de viver do estilo, ainda pouco popular no Brasil, a artista independente acaba de lançar um projeto de crowdfunding. A ideia é receber apoio de patrocinadores para continuar “criando conteúdos livres e gratuitos sobre música medieval, renascentista e barroca” nos seus canais oficiais no YouTube, Facebook e Instagram. As pessoas interessadas podem contribuir com valores modestos, entre R$ 1 e R$ 10, mas de grande valia para o trabalho de Aria.
Muito além do pop: travesti se destaca na web tocando música erudita
Muito além do pop: travesti se destaca na web tocando música erudita
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Radicada na capital federal desde os 13 anos, foi aqui no cerrado que a travesti se reencontrou, primeiro com a música — ao ingressar nas aulas de alaúde na Escola de Música de Brasília, aos 14 —, e, depois, com o espelho. “Eu tinha 17 anos quando iniciei a transição e vivi uns dilemas nessa época por não ter uma referência, em quem me inspirar”, conta Aria.
“Nunca sofri preconceito”
De acordo com a jovem, a falta de representatividade na música antiga a levou a se afastar, temporariamente, da vocação. “Eu via as travestis cantando funk, pop internacional e eu não me identificava. Até que um dia eu parei de pensar nisso, decidi fazer o que eu gostava sem me importar com nada além do ofício”, explica a estudante, que acaba de concluir o curso superior de música na Universidade de Brasília (UnB).
Madura, bem resolvida e com o apoio dos familiares, especialmente da mãe, a violonista deixou de ver sua condição de gênero como uma questão. “Por mais que seja transversal e afete todos os âmbitos de quem eu sou, eu quase nem lembro disso. Não é um problema. Nunca sofri preconceito no meu ambiente de trabalho. Quando a gente se esforça e mostra que é capaz e que tem coragem, as pessoas pelo menos param de mostrar o que pensam”, ressalta.
Normalização
Aria Rita não faz do (nada simples) ato de identificar-se como travesti uma militância escancarada ou uma prestação de serviço à comunidade LGBTQI+. “Não é um favor, é quem eu sou”, ressalta. Para ela, a palavra, tantas vezes usada de forma pejorativa, precisa passar por uma normalização que só acontecerá com as travestis ocupando espaços diversos dentro da sociedade.
“Eu me identifico assim porque é realmente como eu me sinto. Minhas referências de transição nunca foram mulheres, sempre as travestis. Acho importante a gente se diversificar na cultura, mas não tenho como objetivo fazer isso para higienizar nenhum estereótipo. Eu quero que outras travestis, e também as mulheres trans, se sintam à vontade para ocupar os mesmos espaços que eu, se assim quiserem”, explica a instrumentista.
Projetos
Aria dedica-se integralmente à música antiga. Para garantir o sustento, dá aulas de violão, alaúde e canto, além de realizar apresentações solos em bares e eventos culturais da cidade. A musicista também integra o Trio Folias Vilãs, ao lado de Fernando Almeida (violino barroco) e Águeda Macias (viola da gamba). “Independente do gênero, a vida do músico no Brasil não é fácil”, reforça.
Atualmente, o projeto que tem lhe rendido mais visibilidade é a produção de vídeos onde aparece não só tocando, mas explicando a rotina como artista independente e os bastidores de gravações de faixas como Canários e Marionas, também disponibilizadas no Spotify.
Sonhos
A artista sonha, ainda, em viajar mundo afora representando o estilo. “Aqui, as pessoas não são estimuladas a consumirem esse tipo de música, mas na Europa e no resto do mundo em geral é bem popular. Lá fora, o alaúde e a flauta doce, por exemplo, são considerados instrumentos de concerto como quaisquer outros”, diz.
Antes disso, porém, prefere ficar focada em produzir conteúdos interessantes, frutos de muita pesquisa e estudo. “O movimento da música antiga existe há 70 anos no país. Quero mostrar que esse estilo não é tão exótico quanto as pessoas pensam “, conclui.
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